quinta-feira, 29 de abril de 2010

DA FLEXIBILIZAÇÃO OU DIREITO DÚCTIL DO TRABALHO.

Fizemos este estudo a partir da leitura de José Eduardo de Resende Chaves Júnior , em trabalho classificado em 2º lugar no 2º Concurso de Monografia do TRT/2ª Região, no qual aborda o assunto do dilema entre o negociado e o legislado, a que na prática se reduziu o tema, de maneira clara e convincente, sob o título “A Flexibilização e o Direito Dúctil do Trabalho” .

Afirma ser falsa a dualidade convencionado X legislado, ressaltando que “privilegiar essa perspectiva dual vai sem dúvida nos conduzir a um enfrentamento, dilema que não será fácil superar de uma forma convincente, se considerarmos que estamos operando a partir de uma lógica determinada e situada: a lógica da sociedade capitalista”, e imagina um remédio homeopático para fugir do labirinto sem saída que essa perspectiva parece sugerir. Homeopático porque segue o princípio basilar da homeopatia que é similia, similibus curantur – ou, semelhantes curam-se com semelhantes.

Segundo o articulista, a “regulação estatalista, a partir de uma ótica dilemática, funciona como aparelho de intervenção alopática”. Nessa concepção “se privilegia o poder vertical do Estado em detrimento do súdito”.

Numa atuação homeopática, “a regulação do direito dúctil do trabalho dar-se-ia através do poder vertical para horizontalizar e multiplicar as bases dialógicas da negociação”. Nesse entendimento, prossegue, “o Estado, ao invés de preocupar-se com a fixação de limites rígidos das necessidades dos trabalhadores – necessidades essas que não podem e não devem ser apriorísticamente fixadas – ele deveria se voltar principalmente para a efetivação dos mecanismos legais necessários à garantia da existência de um diálogo igualitário entre as partes”.

O Estado, portanto, deve atuar prioritariamente de uma forma supletiva, porque, em geral, a fixação de mínimos tem sempre dois efeitos colaterais perversos: congelar esse mínimo e transformá-lo na prática em teto.

Essa atuação minimalista do Estado, pois, tende a garantir e propagar a efetivação do diálogo entre trabalho e capital, permitindo a criação de condições mais propícias à multiplicação de direitos coletivos específicos. Segundo o autor em causa, não resta dúvida de que “a conquista de novos direitos sociais pela via legal, além de mais complexa, é bem mais lenta”.

A segundo forma aventada para a regulação do direito do trabalho é pelo Mercado. Essa via, contudo, não é a mais apropriada, pelo fato de o trabalho humano não poder ser equiparado a coisa, para fins de negociação.

Mas, dir-se-á, como não coisificar o trabalho numa negociação coletiva, por exemplo? Como não torná-lo uma mercadoria? Para que se tenha um razoável sucesso na negociação, há, portanto, que se cercar a dialógica da negociação de condições jurídicas para que o diálogo entre os parceiros da produção se verifique da forma mais democrática possível.

Por terceiro, há a via da regulação comunitarista, sendo esta fundada no conceito da participação. Mas, quando se fala em participação em sede trabalhista, “o importante é não limitá-la ao conceito de participação nos lucros e resultados”, ou sob o aspecto remuneratório. A participação comunitarista é um conceito bem mais abrangente. Envolve a participação no estabelecimento e na empresa. Essa participação no estabelecimento envolve os fatores ligados à produção, enquanto a participação na empresa envolve os aspectos estratégicos do empreendimento.

Portanto, quando se fala em reforçar os vínculos de solidariedade, não se está a defender uma proposta romântica ou de moralismo autocomplacente. Fala-se, sim, em “politização do espaço empresarial”, no sentido de enfatizar a função social da empresa e da propriedade.

Em conclusão, a respeito das três formas de regulação, defende o autor mencionado a interação combinatória entre os três tipos, de modo a interagi-las com o pilar da emancipação social do trabalhador, via art. 7º, caput, in fine, da CF, ou a locução “além de outros direitos que visem à sua melhoria da condição social”, pois não se pode consagrar o trabalho subordinado como direito fundamental, mas, sim, o trabalho emancipatório é que deve ser alçado a tal categoria.

Complementa Chaves Júnior que, para “se proceder ao resgate da emancipação, a teoria jurídica deve passar por adaptações necessárias, uma vez que ela é construída, de uma forma hegemônica, a partir de pressupostos regulatórios, com excessiva preocupação sistemática” e, “não estivesse o termo flexibilizar tão dominado pelo discurso neoliberal, e tão jungido à polarização Estado-mercado, poderíamos tomá-lo emprestado como metáfora da releitura do direito revisitado pelos ideais de emancipação”

Finalizando, diz o mesmo autor:

“A idéia de ”ductibilidade constitucional” utilizada por Zabrebelsky é muito atraente. Partindo da hoje recorrente distinção entre regras e princípios, o constitucionalista afirma que enquanto o direito legislativo é baseado em regras, AS NORMAS CONSTITUCIONAIS SÃO, PREPONDERANTEMENTE, PRINCÍPIOS. As regras se esgotam em si mesmas, NÃO TÊM NENHUMA FORÇA CONSTITUTIVA FORA DO QUE ELAS MESMAS ESTATUEM. A elas se obedece, AOS PRINCÍPIOS SE ADERE.
Considerando que os princípios carecem de base positivada – segue Zabrebelsky concluindo – seu significado não pode ser determinado de forma abstrata, mas, apenas em casos concretos. Para ele a idéia de que somente as estruturas normativas assentadas em pressupostos poderiam configurar, tecnicamente, a aplicação dos direitos, faz com que se confunda o constitucionalismo contemporâneo com alguma forma de jusnaturalismo ou mesmo com um juízo estritamente político.
Se concebermos [...] os direitos, a partir de uma validade prática e não somente a partir de uma validade lógica, a idéia de direito por princípios pode se explicar em tons de razoabilidade ou prudência..
A pluralidade de princípios e de valores objetivados na Constituição justifica o tratamento não formalista ou não-hierárquico dos fenômenos jurídicos.”

DO NOVO DIREITO DO TRABALHO

De tudo, pois, que dissemos até aqui já podemos concluir que a Constituição Federal de 1.988, ao contrário de, como afirmam alguns, ter apenas incorporado ao seu texto normas do Direito do Trabalho tradicional, positivo, transformou as conquistas trabalhistas obtidas através dos anos EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, de um Direito Dúctil do Trabalho, a que se reporta o ilustre magistrado José Eduardo de Resende Chaves Júnior, em seu premiado trabalho a que nos referimos atrás.

Constitui-se, dessa forma, em um NOVO DIREITO DO TRABALHO que nos cumpre estudar mais detidamente e fazer aplicar em sua plenitude, para que não se torne letra morta a intenção do Constituinte.

A partir dessa constatação realista, mais que teorética, podemos dizer, com Jorge Luiz Souto Maior que o direito é um instrumento de realização da justiça social, que tem como meios de atuação a “constitucionalidade democrática das normas, a sistematização do direito, pela utilização da noção de princípios, e a normatização interpretativa da regra positivada”, e que, o direito do trabalho, por sua vez, é o “instrumento de equilíbrio entre as forças do capital e do trabalho”.

Por esse motivo, o Direito do Trabalho deve se confundir e consolidar, através do que o sociólogo Boaventura Souza Santos, referido por Chaves Júnior chamou de a modernidade, assentada em dois pilares: o da emancipação e o da regulação. Nas relações de trabalho, sob o novo enfoque da flexibilização, a lei se flexibiliza para atender, não ao mercado, ou à Constituição, mas aos fins culturais do trabalho humano, de modo que a autonomia privada coletiva só iria desconstruir direitos, para reconstruir soluções mais eficazes em termos de emancipação social do trabalhador.

Na busca dessa emancipação do trabalhador, teremos de desconstruir o Direito do Trabalho tradicional e reconstruir o que Chave Jr. chama de Direito Dúctil do Trabalho, que seria o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho (e não mais, apenas, subordinado), determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade.

Estariam incluídas, desde já, as relações de trabalho autônomo, de trabalho avulso, de trabalho cooperativo e tantas mais que passariam a ser objeto de uma regulação multiplista, “que privilegia as várias combinações possíveis entre os meios de regulação do conflito” (do Estado, de Mercado e Comunitarista).

Tomando-se como exemplo o Trabalho Cooperativo, através das Cooperativas de Trabalho, além de integrarem-se nos direitos dos cooperados aqueles elencados pela Constituição, mediante negociação e regulação comunitarista, deveria ser preocupação dos órgãos de Estado, na fiscalização de seu cumprimento, não a exclusão social do cooperado da “proteção” do Direito do Trabalho, mas, antes, a sua inclusão como sujeito da proteção do Direito Dúctil, ou do Trabalho em Geral.

A partir disso, deveria ficar a cargo do Ministério do Trabalho a fiscalização do cumprimento das normas que dispõem sobre a constituição e funcionamento das entidades de trabalho cooperativo, assim como da Justiça do Trabalho intermediar os conflitos pertinentes.





DIREITO DO TRABALHO INSUBORDINADO

1.- INTRODUÇÃO - O desafio que me dispus enfrentar, antes de ser mera discussão sobre tema específico, foi o de tratar de um assunto dos mais controvertidos na atualidade, em se tratando de direito do trabalho, e sua flexibilização, e da nova competência da Justiça do Trabalho.

2.- Falando sobre as origens do conflito existente entre os dois pólos de uma relação de trabalho, ou seja, entre quem presta o serviço e a quem o serviço aproveita, o Juiz do Trabalho Alexandre Medeiros , do TRT da 24ª Região – Mato Grosso do Sul, se refere ao livro de Gênesis, onde se encontra a primeira remissão ao trabalho, no mundo cristão, quando Deus impõe a Adão, castigo por ter comido do fruto proibido, dizendo: “... por causa do que você fez, a terra será maldita. Você terá de trabalhar duramente a vida inteira a fim de que a terra produza alimento suficiente para você...”.

3.- Assim, é certo, o homem sempre trabalhou; inicialmente, para obter seus alimentos, já que não tinha outras necessidades, em face do primitivismo de sua vida. Depois, como lembra Segadas Vianna , quando começou a sentir a necessidade de se defender dos animais ferozes e de outros homens, iniciou-se na fabricação de armas e instrumentos de defesa. Dessa forma, desde os mais remotos tempos, o trabalho esteve vinculado às lutas pela sobrevivência da espécie.

4.- A partir de então, e através dos séculos, testemunhamos a dominação dos mais fracos pelos mais fortes, eis que a escravidão é a única forma de propiciar aos mais ricos a felicidade, pois, como afirmado por Aristóteles, para conseguir-se cultura, é necessário ser rico e ocioso e que isso “não seria possível sem a escravidão” .

5.- O marco histórico da resistência à exploração determinada pelas condições de desigualdade existentes no campo das relações de trabalho, foi a famigerada Questão Social provocada pela Revolução Industrial, e que empurrou o homem para a modernidade, quando os trabalhadores, excessivamente explorados, começaram a se organizar e a reivindicar melhores condições de vida e de trabalho, resultando uma série de conquistas para a sociedade e, sobretudo, para os trabalhadores. Deu-se nascimento ao Direito do Trabalho. Toma corpo a doutrina intervencionista, segundo a qual, em nome da solidariedade substitui-se a igualdade pura pela igualdade jurídica, como regra de direito que impõe o interesse geral sobre o particular sem que, entretanto, se anule o indivíduo.

6.- O DOGMA DA JUSTIÇA SOCIAL.- De fato, fortalece-se a nova concepção da sociedade e surge, com delineamentos precisos, o “Estado polícia” ou o “Estado providência”. Desse modo, observado que a liberdade econômica e, pois, a livre concorrência, não consegue harmonizar os interesses individuais e que, ao contrário dessa harmonia, a diversidade econômica criada entre os indivíduos pela liberdade é causa da existência de classes sociais que se opõem e ameaçam a existência do próprio Estado, este, para corrigir a desigualdade, amplia suas atribuições . Nesse aspecto intervencionista a ação do Estado faz-se sentir de maneiras diversas, seja regulamentando a iniciativa privada, seja fomentando-a e vigiando-a, seja, substituindo-se a ela em benefício do interesse coletivo.
7.- Em oposição ao avanço invencível das idéias socialistas, de então, a Igreja procurou tomar a direção do movimento e não deixar, por mais tempo, nas mãos dos partidos revolucionários o monopólio da suas reivindicações econômicas e políticas. O Papa LEÃO XIII já havia resolvido atuar de modo a não se deixar ultrapassar pelo movimento social, procurando, acima de tudo, estabelecer a paz nas relações entre patrões e empregados. Tais relações eram, pelo lucro exagerado dos primeiros em detrimento do mínimo de dignidade dos segundos, o sustentáculo da doutrina marxista que fomentava a luta de classes, instrumento encontrado para se implantar, pela ditadura do proletariado, o socialismo.

8.- Condena o Papa, então, o socialismo científico, ou comunismo. Afirma o direito natural a propriedade privada, embora acentuando o seu caráter social. Defende a concepção jusprivatista de um Estado limitado, cujo fim único é a prosperidade dos particulares e da comunidade, e sujeito a um direito prévio do indivíduo e da família, considerados mais antigos que o Estado.

9.- Quanto à questão social, propriamente dita, defende a idéia e o dever, que também tem o Estado, de, em nome da justiça, intervir na regulamentação do trabalho, PROTEGENDO OS TRABALHADORES, santificando os dias de descanso, limitando a duração do trabalho, restringindo o das mulheres e crianças, e, sobretudo, velando pela justiça dos salários. Cria-se, pois, o dogma da Justiça Social que aos Estados cumpre ter por fim.

10.- A Revolução Russa, de outubro de 1.917, no entanto, precipita a formação da nova concepção socialista e marxista a respeito do Estado, e a consciência do mundo é despertada para a necessidade de se assegurar aos trabalhadores um nível de vida compatível com a dignidade humana, esta colocada no cerne de todos os direitos naturais, e os meios pelos quais, sem prejudicar a liberdade do indivíduo, possam efetivamente ser protegidos aqueles que outros direitos não têm a conservar a não ser os de sua própria subsistência.

11.- A crise de 1929-30 desencadeou-se no mundo todo. A situação econômica e social suscita problemas cuja solução parece cada vez mais difícil. O número de empreendedores falidos aumenta. Cresce também o desemprego tecnológico. A calamidade é mundial. O então Papa PIO XI, em 15 de maio de 1931, em comemoração aos 40 anos da encíclica de LEÃO XIII, publica sua Encíclica “Quadragésimo Anno”, um harmonioso prolongamento daquela anterior. A nova encíclica estipula então que, na determinação do justo salário, se deve levar em conta, concomitantemente as necessidades do trabalhador, a situação particular da empresa a qual pertença, bem como as “necessidades da economia em geral”. Recomendação judiciosa que, no início dessa grave crise, lembra a solidariedade existente entre TRABALHADOR, CAPITALISTA E EMPREENDEDOR, conforme salientado por PAUL HUGON .

12.- O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL.- Nessa época estava em plena gestação o Direito do Trabalho no Brasil. É evidente que durante o Brasil Colônia e o Império vivíamos uma situação cujas características eram de inexistência de lutas, sem que isso indicasse a ausência de uma questão social, então latente; falta de associações profissionais; grupos sociais ainda inorgânicos e ausência de atividades econômicas que exigiam massas proletárias densas.

13.- As atividades agrícolas eram realizadas por escravos e estes nem ao menos se sentiam capazes de ser possuidores de qualquer direito (suas lutas, quando existentes, eram apenas de natureza libertária). A indústria era incipiente, de instalação e métodos primitivos e assentados em um artesanato incapaz de se organizar.

14.- A legislação trabalhista, propriamente dita, começou, decididamente, a ser elaborada a partir da Revolução de 1.930, quando o Governo Provisório, sob a chefia do Presidente Getúlio Vargas, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e por Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, promulgou a Consolidação das Leis do Trabalho.

15.- A partir de então, como ressalta Oswaldo Henrique P. Mesquita , “o caráter protetor e intervencionista do Estado nesta matéria, fruto da pressão coletiva dos trabalhadores, se manteve como uma reivindicação constante nas distintas modificações dos ordenamentos internos, e finalmente das normas comunitárias”.

16.- Mas, a “vida material de uma sociedade, em seus distintos níveis, está regida por incitações, pulsações, modelos, formas e obrigações de atuar que, com freqüência, remontam a tempos muito anteriores” e, mais, “todo ordenamento jurídico é produto de certa evolução histórica, das ideologias e das tradições sociais imperantes em uma dada sociedade, das circunstâncias econômicas e das projeções da própria história política“, acrescenta o ilustre magistrado acima mencionado.

17.- Por isso, recentemente, na Organização Internacional do Trabalho (OIT), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi enfático ao afirmar que “o mundo precisa de um sindicalismo diferente do que se praticava há 20 ou 30 anos”, conclamando dirigentes sindicais a abandonar práticas que visam aos interesses de grupos em favor de políticas que atendam a toda sociedade. Ao mesmo tempo, empregados e empregadores foram chamados a integrar o Fórum Nacional do Trabalho para, com o governo, proporem a modernização das leis do trabalho.

18.- Comentando esse fato, Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) , pergunta: Se Lula diz estar ultrapassado o discurso dos sindicalistas de 20 anos atrás, o que dizer da CLT que tem 60 anos?

19.- E acrescenta:
“[...] Os integrantes do Fórum Nacional do Trabalho terão grande desafio pela frente – o de substituir uma lei que ficou estática durante 60 anos por outra que terá de ser dinâmica pelo resto do século. O Fórum terá de propor instituições que permitam a adaptação rápida das relações de trabalho aos avanços das tecnologias e dos meios de produção que marcarão o futuro. O Brasil não precisa de mais leis, mas de leis de boa qualidade. Não é possível ser a favor do emprego e contra a empresa. Isso não funciona. Da mesma maneira, não é possível querer empresa produtiva sem a formação adequada dos trabalhadores[...]”.

20.- DO DIREITO CONSTITUCIONAL E O NOVO DIREITO DO TRABALHO: INSUBORDINADO.- Assim posta a questão podemos afirmar, sem medo de errar, que ANTES DE UMA REFORMA NA CLT, ou de uma NOVA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, PRECISAMOS APRENDER A LER E A INTERPRETAR A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, para FAZÊ-LA cumprir corretamente.

21.- A respeito da Constituição de 1.946, costumava afirmar, em minhas aulas na Faculdade de Direito de Araçatuba, que se tratava de uma carta constitucional precocemente social-democrática, inspirada naquela de Weimar, mas que, infelizmente, jamais chegou a entrar efetivamente em vigor, pois suas disposições pertinentes à ordem social ficaram dependentes de regulamentações que nunca foram concretizadas. De qualquer forma ASSEGURAVA ELA, JÁ, OS DIREITOS INSCRITOS NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, de 1.943.

22.- Assim, a par das garantias dos direitos individuais, decorrentes da Declaração dos Direitos Humanos, dos movimentos libertários do século XVIII, as constituições passadas incorporaram em seu bojo um capítulo da “Ordem Econômica e Social”, disciplinador das relações entre o capital e o trabalho. Por isso, em seu art. 160, a CF de 1967-9 declarava que a “ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social”, com base nos princípios que enumerava, dentre os quais a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho como condição da dignidade humana e em relação aos direitos trabalhistas assegurava, através do art. 165, aqueles que seriam indispensáveis à consecução da mencionada justiça social.

23.- A atual Constituição Federal, de 05 de outubro de 1.988, INOVOU a respeito, marcando um avanço significativo em termos de Carta Política moderna, dando destaque aos direitos trabalhistas e ELEVANDO-OS À CONDIÇÃO DE DIREITOS INALIENÁVEIS DO TRABALHADOR, eis que independentes da vontade do Estado, ou do legislador ordinário, sob o título “DOS DIREITOS SOCIAIS”, e, em apartado, pela “DISCIPLINA DA ORDEM ECONÔMICA E DA ORDEM SOCIAL”.

24.- DENTRO DESSA NOVA DISPOSIÇÃO, DEVE-SE ENTENDER POR DIREITO SOCIAL O CONJUNTO DE PRINCÍPIOS, NORMAS E INSTITUIÇÕES QUE, INCIDINDO SOBRE AS RELAÇÕES DE TRABALHO, VISAM A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR E A MELHORIA DE SUA CONDIÇÃO SOCIAL.

25.- Portanto, após afirmar ser FUNDAMENTAL o DIREITO AO TRABALHO (art. 6º), garante AOS TRABALHADORES URBANOS E RURAIS OS DIREITOS QUE RELACIONA (art. 7º), além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

26.- Dispondo dessa forma, a Constituição Federal, ao contrário de muitos críticos, estendeu a TODOS os trabalhadores direitos que, até sua promulgação, eram EXCLUSIVOS dos trabalhadores empregados, tais como salário mínimo, 13º salário, férias remuneradas, fundo de garantia de tempo de serviço e outros. Não se diga que salário é um direito exclusivo do empregado, pois, segundo os doutrinadores é a paga devida pelo trabalho prestado por alguém, sendo considerado pela economia capitalista como o preço do trabalho. É considerado a mais importante contraprestação do trabalho, fator de produção e está diretamente ligado à produção. São sinônimos: ordenado, vencimento, soldo, honorários, etc.

27.- Sob o ângulo da legislação infraconstitucional, podemos dizer que existe um Direito do Trabalho ainda não legislado, ou aquele prestado por TRABALHADORES NÃO EMPREGADOS , a par do Direito do Trabalho legislado, e definido como sendo

“o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade”

28.- A esse Direito “não legislado”, é que eu denomino DIREITO DO TRABALHO IN-SUBORDINADO .

29.- CONCLUSÃO.- Nesse passo, portanto, posso concluir que a Constituição Federal de 1.988 consolidou um DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO, de que o Direito do Trabalho, que disciplina as relações de trabalho subordinado, é espécie. A par disso, existe um outro Direito do Trabalho, considerado não subordinado, relativamente às outras relações de trabalho que, em realidade, são objeto de contratos outros que devem ser melhor estudados e compreendidos, para que se dê efetivo cumprimento ao Direito Social.

30.- Está claro, também, que se deve modernizar as próprias normas jurídicas que compõem o Direito do Trabalho propriamente dito, com uma nova Consolidação das Leis do Trabalho, nelas incluindo o trabalho hoje considerado não subordinado.

31.- Um primeiro avanço, nesse sentido, podemos vislumbrar a partir da EC 45/04, que alterou a competência da Justiça do Trabalho exatamente no sentido de estendê-la a TODAS as ações oriundas da RELAÇÃO DE TRABALHO, e não apenas entre empregado e empregador.

32.- Para coroar nossa proposição em favor de um Direito Dúctil do Trabalho, na expressão feliz de outro Juiz eminente, José Eduardo de Resende Chaves Júnior , anotamos o comentário sempre seguro e preciso de Arnaldo Süssekind :
“A modificação de maior repercussão no Judiciário Trabalhista concerne è expressão: `as ações oriundas da relação de trabalho´”.

33.- Daí a conclusão: “A relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é uma das espécies, pois abrange também outros contratos, como os de prestação de serviços por trabalhadores autônomos, empreiteiras de lavor, mandato para empreender determinada atividade em nome do mandante, representação comercial atribuída a pessoa jurídica, contratos de agenciamento e corretagem”, ou, como esclarece o art. 594 do Código Civil, “TODA ESPÉCIE DE SERVIÇO OU TRABALHO LÍCITO, MATERIAL OU IMATERIAL, PODE SER CONTRATADO MEDIANTE RETRIBUIÇÃO”.
RESUMO CONCLUSIVO

1.- INTRODUÇÃO.- Este trabalho originou-se em um estudo que fizemos para a elaboração de uma palestra em torno da Flexibilização do Direito do Trabalho. Percebemos, então, que a Constituição Federal em vigor, desde 1.988 indicou o caminho para essa terceirização, ou melhor, ampliação dos direitos até então exclusivos do trabalhador empregado, para aqueles submetidos a relações de trabalho de outra natureza, ao declarar, no caput do artigo 7º, que são garantidos, a TODOS OS TRABALHADORES, os direitos que menciona.

2.- ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO.- Em sua origem, o Direito do Trabalho representa uma conquista da classe trabalhadora contra a exploração do hipossuficiente, determinada pelas condições de desigualdade existentes no campo das relações de trabalho, notadamente com o advento da Questão Social provocada pela Revolução Industrial. Com as idéias socialistas a partir de então desenvolvidas, e a reação cristã, de Leão XIII e sua “Rerum Novarum”, cria-se o dogma da “Justiça Social”, através da idéia e o dever, que também tem o Estado, de, em nome da justiça, intervir na regulamentação do trabalho, PROTEGENDO OS TRABALHADORES, santificando os dias de descanso, limitando a duração do trabalho, restringindo o das mulheres e crianças, e, sobretudo, velando pela justiça dos salários.

3.- DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL.- A legislação trabalhista, propriamente dita, começou a ser elaborada a partir da Revolução de 1.930, quando o Governo Provisório, sob a chefia do Presidente Getúlio Vargas, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e por Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, promulgou a Consolidação das Leis do Trabalho. Desde então se desenvolveu fruto do caráter protetor e intervencionista do Estado nesta matéria e se manteve como uma reivindicação constante nas distintas modificações dos ordenamentos internos. Caracterizou-se, sempre, como um direito legislado em favor dos empregados, de natureza contratual-institucionalista, através da regulação do trabalho subordinado.

4.- NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO.- Com a Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1.988, deu-se nova configuração aos Direitos e Garantias Fundamentais, com o destaque para o Capítulo II, dos Direitos Sociais (arts. 6º a 11), em que se elevou a categoria constitucional direitos até então consagrados pela Consolidação das Leis do Trabalho, conforme previsão antes contida no art. 165, da CF de 1.967/69. A grande novidade foi que, o que até então era assegurado, nos termos da lei (e, portanto, da CLT), somente aos trabalhadores empregados, agora são direitos garantidos aos trabalhadores em geral, urbanos e rurais, e, portanto, NÃO APENAS EMPREGADOS.

5.- DIREITO DO TRABALHO INSUBORDINADO.- Daí que sob o ângulo da legislação infraconstitucional, podemos dizer que existe um Direito do Trabalho ainda não legislado, ou aquele prestado por TRABALHADORES NÃO EMPREGADOS , a par do Direito do Trabalho legislado, este representado pela Consolidação das Leis do Trabalho. A esse Direito “não legislado”, é que eu denomino DIREITO DO TRABALHO IN-SUBORDINADO .

6.- FINALMENTE. Assim, portanto, eis colocada a questão de lege ferenda. Cabe agora aos legisladores, aplicadores e intérpretes do Direito do Trabalho cuidarem para que se dê efetividade a essa ampliação constitucional dos direitos trabalhistas, com a extensão do direito protetivo a todas as “relações de trabalho”, sejam elas de trabalho subordinado ou não, para que, sob a jurisdição apropriada, tenhamos um tratamento isonômico em tudo quanto possa se relacionar com a prestação de serviços a terceiros, seja por pessoas físicas ou jurídicas, como já autorizado pela Emenda Constitucional nº. 45.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

CAPÍTULO V - HISTÓRIA DAS DOUTRINAS DO ESTADO: A FILOSOFIA CRISTÃ



O Cristianismo e a Filosofia Escolástica. Se o despertar do homem para o pensamento especulativo marcou um primeiro e mais importante momento na história da Humanidade, o advento do Cristianismo, “fato religioso” por excelência, representou um novo e importante momento na história do comportamento humano em relação à sua existência. A época, porém, em que a ação e influência do Cristianismo se fez mais marcante e absorvente chama-se Idade Média, e à Filosofia que foi a sua mais alta expressão denomina-se Filosofia Escolástica, ou das Escolas, ou, ainda, Filosofia Cristã. Utiliza-se, pois, tal expressão para significar um conjunto de atitudes, problemas e soluções adotadas e perfilhadas a partir, precisamente, duma visão religiosa do mundo e do homem: o Cristianismo.

Surgiu o Cristianismo na história com um pequeno número de doutrinas filosóficas de índole especulativa, embora com um grande número de idéias especialmente morais e religiosas. Encontrou-se, contudo, com a filosofia grega e helenística e teve a necessidade de com ela sustentar uma grande luta: ou rejeitá-la ou aproveitá-la e assimilá-la para se robustecer; ou, tê-la como inimiga ou aliada. Afirmando-se como filosofia, a partir de seus dogmas, nasceu com ela a Teologia cristã. Seu desenvolvimento atravessou três fases bem distintas: a primeira do sec. I até S. AGOSTINHO; a segunda, desde aí até S. TOMÁS DE AQUINO, no século XIII, e, finalmente, a terceira, daí até nossos dias. Na primeira fase prevalece um certo sincronismo (reunião artificial de idéias ou de teses de origens disparatadas) oscilante; na segunda, PLATÃO, o neoplatonismo e os Estóicos; na terceira, embora se combinando com estes elementos, ARISTÓTELES. Dessa forma, as grandes idéias elaboradas através dos séculos pelo pensamento grego foram de sucessivas reelaborações, pouco a pouco, acolhidas e assimiladas pelo Cristianismo e colocadas a serviço da concepção cristã do mundo e da vida. Entre as idéias religiosas e filosóficas que compunham o Cristianismo, naquilo que interessa a nosso estudo, do Estado, destacavam-se: a) a crença num Deus pessoal, pai Todo-Poderoso, criador do mundo e da matéria, e ao mesmo tempo Providência inteligente e ativa, cuja vontade é, ao mesmo tempo, lei e norma para todos os seres criados e b) a crença na existência de uma alma individual absolutamente livre e com um destino eterno, criada a imagem e semelhança de Deus e mantendo com Ele as relações de filho e Pai.

S. PAULO. - Os primeiros cristãos viviam, como se sabe, absorvidos na convicção de um próximo regresso do Senhor e de que o mundo em breve acabaria. Quem marca a nova posição fundamental do Cristianismo perante os problemas da concepção cristã de vida em face do direito e do Estado é o apóstolo PAULO, notadamente em sua Epístola aos Romanos. Com S. PAULO, afirmada a absoluta transcendência de Deus, bem como sua personalidade de essência voluntária insondável e sua onipotência criadora, o direito natural estóico passa a identificar-se com a vontade desse mesmo Deus, tornando-se TEOCÊNTRICO. Daí à idéia de Justiça - intelectualizada entre os gregos e fria entre os judeus - o Cristianismo acrescenta a do amor e caridade como princípio de fé e justificação nas relações entre os homens e Deus, intimizando-os na forma de um apelo a cada homem para a sua salvação. Assim, deixa de ser a Justiça um mero ideal a atingir dentro do Estado para tornar-se efetiva como princípio de relação viva e existencial entre o homem e Deus. O próprio Estado, pois, foi criado por Deus, não havendo poder que não venha d’Ele, e quem resiste ao Estado resiste à ordenação de Deus. Reconhece, assim, o aspecto político da vida, que, aliás, já estava no Evangelho - “a Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar”. Duas são as idéias fundamentais e características de S. Paulo: a) a afirmação do direito e do Estado como manifestação da lei natural e da vontade de Deus; b) a afirmação da idéia de uma comunidade do espírito, como Igreja, implantando-se e crescendo no seio de uma certa e determinada comunidade mais vasta de homens, a partir de uma renovação interior de cada um. Estabelece ele, pois, um traço de união, como ponte de passagem, entre a Antigüidade Clássica e a filosofia cristã da Idade Média, também conhecida como escolástica.

S. AGOSTINHO. - Nascido em 354, no norte da África, de pai pagão e mãe cristã, após uma juventude movimentada, como nos informa JOHÀNES HIRSCHBERGER, Agostinho teve em mãos, enquanto estudava em Cartágo, o livro de Cícero “Hortensius” em que aquele estóico faz um convite ao estudo da filosofia, ficando, assim, como ele próprio deixou registrado, inflamado por “abandonar as coisas terrenas e refugiar-se no Senhor, pois está escrito: “Contigo está a sabedoria: Ora, “acrescenta, amor à sabedoria é o significado da palavra grega Filosofia”. Partiu Agostinho, em sua busca da sabedoria, exatamente do questionamento acerca da verdade. Indagava, ele, então, se não seria melhor abstermo-nos de afirmar, por não podermos atingir a certeza nos nossos conhecimentos, que talvez ela não existe, sendo assim melhor nos contentarmos com “opiniões” de cuja relatividade temos idéias claras? Não era isso que ensinavam os Cépticos? Para responder-se a tais questões, deixa de lado “verdades transcendentais” e se fixa em fatos de evidência imediata, nos dados da consciência, como aconteceria mais tarde com Descartes. Afirmando que do mundo exterior da consciência podemos duvidar, pergunta: “quem duvidará que vive, lembra-se, entende, quer, pensa, conhece e julga? Pois, se duvida, vive...; se duvida, sabe que não sabe com certeza; se duvida, sabe que não pode dar o seu assentimento temerariamente. E ainda que duvide de tudo o mais, disto não deve duvidar; porque se essas coisas não existissem, seria impossível a dúvida”. Ou, ainda, “se me engano, sei que existo, pois, se me engano é que existo”. Descobriu, assim, AGOSTINHO um novo gênero de verdades: as verdades da consciência. Qual seria, então, a fonte da verdade? Segundo ele, essa fonte não pode estar na experiência sensível, pois o mundo dos corpos é mutável, como já o afirmavam Heráclito e Platão. A partir da idéia de alma, que seria “uma determinada substância racional, que existe para governar o corpo, e não apenas dar-lhe forma, como pensava Aristóteles, e, assim, que o homem é “uma alma racional, que usa de um corpo mortal e terreno”, diz que a “alma não recebe passivamente as impressões dos sentidos, mas as submete à sua atividade própria”, contendo “em si mesma regras para a sensibilidade e as idéias, que lhe servem de medida, como se pode ver, p. ex. com a idéia de unidade” que não procederia por abstração da sensibilidade eis que todos os corpos são infinitamente divisíveis. Se não conhecessemos a unidade não poderíamos pensar na multiplicidade. Daí foi levado a buscar a fonte da verdade no espírito do homem. “Não procures fora! Volta-te para ti mesmo! No interior do homem é que habita a verdade. E se achares que também a tua própria natureza é mutável, então transcende-te a ti mesmo”, afirmava. Cria, assim, a teoria da iluminação, pensando uma “iluminação pela qual a verdade é infundida e irradiada no espírito por Deus, sem que isso seja revelação sobrenatural mas, sim, um fato perfeitamente natural”. O homem possui uma alma e esta é uma substância e pode ser demostrada essa substância pela análise da consciência do eu, pela qual se verifica a realidade do eu, sua independência e duração. A realidade do eu (Ego) é imediata, pois “existo”. A sua independência nos é mostrada pela comparação do eu com seus atos (id), ou do eu conhecedor e do eu conhecido. Diz S. Agostinho: “Estas três potências - a memória, o pensamento e o amor - me pertencem a mim, e não a si mesmos; elas fazem o que fazem, não para elas próprias, mas para mim; antes, por elas que eu sou ativo... Em suma, é por mim que a memória se lembra, por mim que o intelecto pensa, por mim o amor ama. Mas nem por isso eu sou a memória, o intelecto e o amor; não, eu os possuo”. A duração desse eu, diverso dos seus atos, é permanente, sempre o mesmo. E esse ser independente, permanente, real é que chamamos de consciência. Ora, se as verdades são eternas e imutáveis, e a fonte da verdade são os dados da consciência que está intimamente ligada ao espírito humano, deve a alma, também, ser eterna. De fato, se é pelo eu vivo que nós nos lembramos, pensamos, queremos e amamos, isso supõe uma inseparável união com a verdade e os valores. Através da teoria da iluminação S. AGOSTINHO afirma que a “nossa razão vê imediatamente as Idéias no espírito de Deus, chegando-nos assim a uma verdade necessária, imutável, eterna. De fato, o espírito humano não a possui como de si próprio, eis que pertence a um fundamento mais profundo - o espírito divino - criador do céu e da terra. Em conclusão: Deus é infinito e eterno. Na mente divina existem as razões eternas, as idéias imutáveis de todas as realidades contingentes, e as quais os homens chegam vivendo segundo o espírito, em busca da justiça, ou o Amor de Deus.

Retomando a idéia de S. PAULO, acerca da Igreja, ou comunidade dos santos, AGOSTINHO considera a história da humanidade como de uma luta entre duas forças, ou grandezas, de essência metafísica: a “civitas Dei” (Cidade de Deus) e a “civitas terrena” ou “diaboli”. Seria a cidade de Deus a comunidade de todos aqueles que neste mundo vivem segundo o espírito e buscam a justiça (amor Dei), numa antecipação da verdadeira cidade dos santos que só pode realizar-se na outra vida ou no “reino dos céus”. Por outro lado, a “civitas terrena” não é mais do que a comunidade dos que vivem segundo a carne e unicamente para a satisfação dos seus apetites de concupiscência e de domínio (amor sui). Não se encontra, pois, em tais conceitos uma divisão entre Igreja e Estado, sendo a primeira a “civitas Dei” e o segundo a “civitas terrena”, mesmo porque, em ambas, coexistiriam, em verdade, as duas espécies de indivíduos.

O Estado, para S. AGOSTINHO, é natural: “o povo é a massa dos seres racionais que se reúnem levados por uma unidade concorde na voluntária prossecução dos seus fins”, afirma ele em sua “De civitas Dei”. O Estado, pois, não é assim necessariamente, como forma de vida civil, um mal resultante do “pecado original”, de modo que se este não fora, não existiria. Em verdade, S. AGOSTINHO conclui que o Estado existiria mesmo sem o pecado, como condição de vida dos homens em comum, criada e querida por Deus para a realização da paz, da justiça e bem assim das condições necessárias para eles alcançarem, desde este mundo, a realização do seu destino eterno. Mantendo, pois, platônica e dualisticamente, a distinção entre a idéia e a realidade empírica, AGOSTINHO propunha-se a transformar o Estado (que em si mesmo não é nem bom, nem mau) numa comunidade de paz e justiça entre os homens e, como tal, num meio de realização neste mundo da “civitas Dei” pela sua total conversão ao Cristianismo e subordinação à Igreja.

S. TOMÁS DE AQUINO. - O período que vai da morte de AGOSTINHO, em 430, até o surgimento da filosofia escolástica, com CARLOS MAGNO e a partir do sec. IX, a Europa viveu um estadio de ignorância e de trevas. Os bárbaros irromperam de todos os lados, criando novas condições políticas e sociais, de todo em todo contrárias à conservação e desenvolvimento da cultura ocidental. Esta recolheu-se aos mosteiros à espera de tempos melhores para desenvolver-se. A atividade da Igreja, então, concentrou-se em humanizar e cristianizar os invasores, sendo que desse ingente trabalho resultou a moderna civilização ocidental. A época, pois, era de reconstrução a que se entregaram os escolásticos e dentre eles, com maior destaque, a figura de S. TOMÁS DE AQUINO, nascido em fins de 1.224. Em sua obra, de que se sobressai a “Suma Teológica”, S. TOMÁS rompe com todas as doutrinas que não se harmonizam com a filosofia de ARISTÓTELES. Aceita as teses da razão eterna e da iluminação de S. AGOSTINHO mas as transforma a partir dos conceitos aristotélicos do conhecimento. Como ARISTÓTELES, ensina que “é natural ao homem chegar, pelos sensíveis, aos inteligíveis, porque todo nosso conhecimento começa pelos sentidos”. Assim, “pela natureza das coisas sensíveis subimos a um certo conhecimento das coisas supra-sensíveis”. Por isso, a natureza da pedra só nos é dada pelo exame de uma determinada pedra; a do cavalo, pelo de um determinado cavalo. Desse modo, o nosso pensamento considera sempre o universal em dependência da experiência sensível. Mas, esclarece o filósofo, “não se pode dizer que o conhecimento sensível seja a causa perfeita e total do conhecimento intelectual”, ele é antes a matéria da causa desse conhecimento. Como afirmaria KANT mais tarde, “embora todo o nosso conhecimento suponha a experiência”, não é só esta a origem de ARISTÓTELES, o conhecimento não se perfaz com a apreensão da essência, mas com o juízo, sendo a verdade a “adequação entre o pensamento e a coisa” de modo que “consiste em dizer que o que é é, e o que não é não é”.

Prova S. TOMÁS, com as “cinco vias para Deus”, a Sua existência como coisa Universal e princípio da conservação do mundo: o mundo depende de Deus, não somente para começar a existir, mas sempre. Enquanto para S. AGOSTINHO Deus é essencialmente vontade, não sendo o bem senão a simples manifestação de seu querer indeterminista, em S. TOMÁS predomina uma orientação oposta: Deus é antes de tudo um ser de natureza intelectual, não sendo o bem essencialmente senão a manifestação de Sua vontade, harmônica com essa natureza; em vez de ser o bem aquilo que Deus quer, só porque o quer, segue-se que Deus não pode deixar de querer o bem, só porque este é o bem. Daí sua concepção de Ética e direito seguir o sistema de ARISTÓTELES, para quem a lei era, não a expressão de uma vontade, mas produto da razão. Existe um Direito natural. O Logos ou a inteligência divina, essência da divindade criadora (Deus) à semelhança da qual o homem foi criado, é assim simultaneamente princípio regulador e normativo da atividade deste, como Lei natural. No fundo de sua consciência o homem tem naturalmente uma voz ou intuição da lei moral, ou da conduta humana.

O Estado, ou a civitas, ou respublica, segundo S. TOMÁS DE AQUINO, é aristotelicamente uma realidade tão natural como a família e as outras formas intermediárias de convivência. O homem é um “naturaliter sociale animal”. E assim é na medida em que a Lei eterna que assim dispôs as coisas é ao mesmo tempo a expressão da inteligência e da vontade de Deus. O Estado, como comunidade perfeita para bastar-se a si mesmo não é, contudo, uma simples multidão ou agregado humano; constitui antes um autêntico ser distinto de seus integrantes. É o resultado de uma forma aplicada a uma matéria, em que esta última é representada pelos indivíduos e a forma por uma ordem que os unifica dentro de um todo. E em vez de o seu fim ser tão somente a tranqüilidade e a paz, como prenúncio de uma vida numa “civitas Dei”, é ele algo mais de positivo, ou o bem comum. É, pois, um fim muito mais deste mundo e consiste, antes de mais nada, em garantir o bem estar material imposto pelo seu instinto de conservação, para que, garantido este, ele possa depois tratar dos seus fins eternos de ordem supra-sensível.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A QUEM RECORRER?

Em editorial no jornal "Diário do Comércio", órgão editado pela Associãção Comercial de São Paulo, seu presidente, Alencar Burti, após fazer um relato de suas observações da vida, como diz ele, durante oito décadas em que a "longevidade permitiu-me assistir e participar das alternâncias do poder, da luta permanente contra as restrições à liberdade por parte de interesses de toda ordem – políticos, ideológicos, econômicos, oligárquicos", faz-nos uma pergunta: "Será que devemos ficar inertes, aguardando que apareçam, com já apareceram, os salvadores da pátria – civis ou militares – que se proponham, por meio de um regime de força, consertar o País? Não! Certamente não! Pois esse filme já estamos cansados de ver".
Concluindo, ele nos exorta:
"Brasileiros e brasileiras que amam este País: a vida e a liberdade, só as preservamos por meio de ações firmes e construtivas, com força suficiente para dar um basta a essa violência contra os nossos direitos, exigindo principalmente uma reforma política simples e objetiva.
Essa, que entendemos a mais importante das reformas, deve nascer,ainda que sob pressão, para atender aos apelos do povo, e sem os subterfúgios a que estamos acostumados a ver. Tenham a certeza de que, a partir daí,saberemos, sim, "a quem recorrer"!
Com a permissão de seu autor, publicamos tais considerações para lembrar que a hora é agora, das eleições que nos permitirá escolher melhor os responsáveis pelo nosso futuro. Não podemos permitir o continuismo do que se instalou no país, e parodiando o grande Ruy, ficarmos a ver "triunfar as nulidades, ... prosperar a desonra, ... crescer a injustiça, ... agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus", pois não podemos "desanimar... da virtude, ...rir da honra e a ter vergonha de ser honesto...."