1.- INTRODUÇÃO:
Estágio profissional e aprendizagem estão intimamente ligados de modo a
serem utilizadas as expressões como sinônimas, conforme anotado por Aurélio em
seu Dicionário da Língua Portuguesa. Entretanto, são distintas na aplicação
prática, destinando-se o primeiro a complementação curricular, como ponte entre
a teoria e a prática na formação dos alunos do ensino regular.
2.- FORMAÇÃO GERAL E PROFISSIONAL.- A formação geral e
a formação profissional, na educação brasileira, surgiram separadamente, com
objetivos, organização didático-pedagógica e processo de aproveitamento escolar
próprios. Assim é que o profissional
atrelava-se ao mercado de trabalho, enquanto que o secundário, hoje conhecido
como ensino médio, dedicava-se a preparar alunos para o prosseguimento de
estudos, a nível superior. Na formação
profissional, prevaleciam as matérias específicas, destinadas a ensinar a fazer
coisas, sem muita preocupação com o porquê faze-las, como aduz Paulo Nathanael Pereira
de Souza[2];
no ensino secundário predominavam as disciplinas de formação geral, destinadas
ao desenvolvimento intelectual e cultural dos alunos, como era o caso das
humanidades, das ciências e das artes.
3.- A ORÍGEM DO ESTÁGIO – O advento do estágio, como
complementação curricular, obedeceu a um reclamo do ensino profissional e
técnico, “como uma ponte que se construiu entre a teoria e a prática na
formação dos alunos. Através deles, estágios, as escolas propiciavam a seus
alunos a possibilidade de conhecer, na prática, aquilo que teoricamente lhes
havia ensinado”[3].
4.- A REFORMA LEGISLATIVA DE 1.971 – O ensino
secundário, por ser quase todo feito no plano das teorias, não carecia de
estágios, visto que o provimento prático de tais conhecimentos poderia
realizar-se na própria escola, mediante avaliações diversas. Entretanto, em
virtude da influência das teorias então em voga, do ensino como formador do
capital humano para o mercado de trabalho, a reforma promovida pela Lei nº
5.692/71 foi realizada com o intuito de desfazer a separação entre a formação
geral e a formação profissional, concebendo uma educação cada vez mais
integrada entre ambos os setores aos jovens escolarizados. O ensino médio, ou
secundário, então denominado de 2º grau, ganhou tinturas profissionalizantes, a
ponto de se exigir do aluno, para a obtenção do diploma, que se especializasse
numa habilitação técnica qualquer.
5.- A IMPORTÂNCIA DOS ESTÁGIOS – Cresceram de
importância, então, nessa fase e chegaram a ser obrigatórios por lei, nos casos
das habilitações ligadas aos setores primário e secundário da economia
(agricultura, zootecnia e indústria), mediante toda uma legislação
disciplinadora, como foi o caso da Lei 6497/77 e seu Decreto Regulamentador nº
87.497.
6.- CONCEITO LEGAL DE ESTÁGIO – É da Lei 6.497 o
conceito de estágio como sendo “a atividade de aprendizagem social,
profissional e cultural, proporcionada ao estudante pela participação em
situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade
em geral, ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob
responsabilidade e coordenação da instituição de ensino”.
7.- DESENVOLVIMENTO E ABRANGÊNCIA DO ESTÁGIO – A
partir de então, estágio não mais se
vinculava restritamente à capacidade de operar determinada técnica produtiva ou
de prestação de serviço. Seus fins foram
ampliados e passaram a incluir ajustamentos mais amplos, como “situações de
vida” e “aprendizagem social e cultural”. Atualmente, portanto, o que se busca
com o estágio é muito mais do que a simples complementação de
conhecimentos técnicos, pois “devem agora ajustar o estudante no
trabalho em grupo, no convívio social, na troca de experiência, na capacidade
de decidir, na responsabilidade profissional, situações essas que envolvem
comportamentos e habilidades, que não decorrem das lições ocupacionais e sim
das matérias de formação intelectual, como comunicação e expressão, cálculo,
ética e outras situações de vida, tão ou mais importantes do que as
estritamente tecnicistas” [4].
8.- Daí, como ressalta Paulo Nathanael, passamos a viver o fastígio “dos
valores transversais em relação à especificidade dos currículos escolares,
aqueles que dizem respeito ao desenvolvimento emocional e comportamental dos
educandos, pari-passu com o papel das disciplinas de formação
intelectual e prática. Por isso, ao
cuidar-se da complementação curricular pela via do estágio, mister se faz que
esse estágio alcance não apenas o técnico, mas também o existencial”. Por isso, com ênfase no “inalienável papel do
conhecimento no novo mercado de trabalho, o estágio ampliou a sua
abrangência dos objetivos especificamente ocupacionais, para outros, ligados
aos saberes básicos e gerais, e à transversalidade curricular dos comportamentos
e aptidões dos estudantes”.
10.- DO ESTÁGIO AO PRIMEIRO EMPREGO – Amauri Mascaro Nascimento foi enfático ao afirmar que “o estágio significa, para o estagiário, o primeiro
passo em direção à conquista de um emprego, possibilidade de uma iniciação
profissional perante a qual se apresenta, quase sempre, sem um mínimo de
experiência prática, desconhecendo fundamentos que no estágio passará
gradativamente a adquirir, e que muito influirão na sua formação, não só
profissional como, também, pessoal com a aquisição dos primeiro conhecimentos,
além do ciclo de ralacionamento em que se incluirá e na possibilidade de
iniciar um currículo que no futuro certamente será exigido como condição
inicial para que possa ser admitido em um emprego, da mesma ou de outra
especialidade para qual o estágio se destinou”[5].
11.- DO CONTRATO DE
APRENDIZAGEM. O Brasil, que adotava a limitação em 14 (catorze) anos para a
idade mínima de admissão do menor ao processo produtivo, com a Constituição de
1.967 teve essa idade reduzida para 12 anos. Com a promulgação da nova
Constituição em outubro de 1988, essa idade retornou aos 14 anos (art. 7º,
inciso XXXIII) e, pela recente E.C. 20/98, foi ampliada para 16 anos, estando
assim redigido o dispositivo constitucional em vigor:
“Art. 7º. -
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais...
XXXIII – proibição de trabalho noturno,
perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho A MENORES DE DEZESSEIS ANOS, salvo na condição de aprendiz”.
12.- Por esse dispositivo legal, combinado com aquele do art.
227, §3º, inciso I, da mesma Constituição, tem-se que NENHUM MENOR PODERÁ SER ADMITIDO COMO EMPREGADO (contrato regido pela
legislação social, ou CLT e legislação complementar) antes de completar 16 anos, SALVO NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ.
13.- Quer isto dizer que o menor é ADMITIDO como integrante
do PROCESSO PRODUTIVO (econômico), com os direitos trabalhistas e previdenciários
assegurados pela Constituição, já a partir de 14 ANOS, desde que mediante um CONTRATO DE APRENDIZAGEM.
Mas,
duas outras questões devem ser colocadas:
1ª) todo
trabalho executado por um menor entre 14 e 16 anos deverá ser objeto de um contrato
de aprendizagem?
2ª) todo contrato
de aprendizagem será um contrato de trabalho, ou seja, com
vinculo
empregatício?
14.- Em princípio, em se tratando de um processo de formação
para o trabalho e pelo trabalho, teríamos que todo contrato para que tanto se
realize no ambiente de trabalho deveria ser um contrato de aprendizagem.
15.- Contudo, conforme
a redação que lhe foi dada pela lei 10.097, de 19/12/2000, pelo art.
428, da CLT, dever-se-á entender por contrato de aprendizagem:
“o contrato de trabalho especial, ajustado
por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete
a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa
de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu
desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, executar, com zelo e
diligência, as tarefas necessárias a essa formação”.
16.- Logo, pela definição legal, o denominado contrato
de aprendizagem será restrito aos casos de formação técnico-profissional,
ou de educação profissional de nível técnico, a que se refere o supra
mencionado art. 3º. do Decreto 2.208/97.
17.- Nesse caso, o trabalho do adolescente será daqueles com
vínculo empregatício, e, assim, submetido às normas da
Consolidação das Leis do Trabalho.
18.- No
entanto, reza a Lei n. 6.494, de 07 de dezembro de 1.977, que as Pessoas
Jurídicas de Direito Privado, os Órgãos da Administração Pública e as Instituições
de Ensino
“podem
aceitar, como estagiários, alunos regularmente matriculados e que
venham freqüentando, efetivamente, cursos vinculados à estrutura do ensino
público e particular, nos níveis superior, profissionalizante de 2º.
grau e supletivo.”
19.- Trata-se, também, de um processo de formação
profissional ministrada no ambiente de trabalho, correspondente a cursos de nível
superior na área tecnológica, e, portanto, de 3º nível na escala
prevista no art. 3º do Decreto 2.208, extensivo
a egressos do ensino médio e técnico profissionalizante..
20.- Teremos, então, um aprendizado submetido a contrato
de estágio, não deixando o educando de ser um aprendiz, mas sua prestação
de serviço não cria vínculo empregatício (art. 4º, Lei
6.494/77), e, assim, sem ser objeto de um contrato de aprendizagem.
21.- Concluindo, e procurando responder as perguntas acima
formuladas, podemos dizer que, observados os níveis de educação para o trabalho
previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, todo empregado
adolescente tem direito de ser submetido a um processo de formação
profissional no próprio ambiente de trabalho através de um contrato de aprendizagem,
nos termos do art. 428 e 429, da CLT, e, portanto, com vínculo empregatício.
22.- Tratando-se, no entanto, de adolescente não
empregado, mas matriculado em curso vinculado à estrutura do ensino
público ou particular, de nível profissionalizante de 2º. grau, a exemplo
daqueles de curso superior, poderá ser beneficiado por um contrato de estágio, nos
termos da Lei 6.494, e, pois, sem vínculo empregatício.
23.- Logo, para os efeitos do disposto no art. 7º, XXXIII, da
Constituição Federal há de se entender, restritivamente, a expressão aprendiz
para os casos de menores submetidos à disciplina do art. 428, da CLT.
24.- Assim,
portanto, a Lei 6.494, de 7 de Dezembro de 1977, visa proporcionar a
complementação do ensino e de aprendizagem àqueles alunos regularmente matriculados,
e que venham freqüentando efetivamente, cursos vinculados à estrutura do ensino
público e particular nos níveis superior, profissionalizante de 2º. grau e
supletivo.
25.- DO TRABALHO EDUCATIVO. Acontece, porém,
que existe uma grande parcela de adolescentes, situada na faixa etária entre 14
e 16 anos, em condições para a educação profissional de nível básico,
sem qualquer escolaridade, e muitas vezes, marginalizados de toda
e qualquer proteção educacional ou social.
E
é exatamente para estes que o art. 68 da Lei 8.069/90 (ECA) prevê
“a
possibilidade de sua participação no programa social que tenha por base o trabalho
educativo”,
observando os §§ 1º. e 2º. que se
entende por trabalho educativo
“A ATIVIDADE LABORAL EM QUE AS EXIGÊNCIAS PEDAGÓGICAS RELATIVAS AO
DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL DO EDUCANDO PREVALECEM SOBRE O ASPECTO
PRODUTIVO DE MODO QUE A REMUNERAÇÃO QUE RECEBER, PELO TRABALHO EFETUADO OU A
PARTICIPAÇÃO NA VENDA DOS PRODUTOS DE SEU TRABALHO, NÃO DESFIGURA ESSE CARÁTER
EDUCATIVO”.
26.- Já o
artigo 91, da mesma Lei 8.069, declara que as “entidades não governamentais somente
poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente”, e, portanto, sem qualquer vinculação
com o Ministério do Trabalho.
27.- Compreendendo
o nível básico da educação profissional do adolescente,
o trabalho
educativo será parte integrante de um processo de aprendizagem,
sim, mas em que o aspecto pedagógico prevalece sobre o aspecto produtivo.
28.- E,
para encerrar qualquer polêmica a respeito, através do art. 431, da CLT, com a
redação resultante da Lei 10.097[6],
fica EXPRESSAMENTE AFIRMADA a inexistência do vínculo empregatício no caso de o
trabalho educativo ser contratado a uma entidade sem fins lucrativos
autorizadas, a que se refere o art. 430, da mesma CLT.
29.- Distintos,
portanto, os contratos de aprendizagem, de estágio e de trabalho
educativo, podemos afirmar serem característicos diferenciadores deste
último:
a)
aprendizado destinado à qualificação profissional
básica de adolescentes a partir de 14 anos,
independentemente de sua escolaridade prévia (art. 3º., I, do Decreto
2.208/1997);
b)
atividade educacional e laboral do adolescente vinculada
a uma instituição governamental, ou não governamental sem fins lucrativos devidamente
registrada no Conselho Municipal dos Direitos e da Criança (art. 68, caput e 91, Lei 8.069, 13.7.90);
c)
respeito a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento e capacitação adequada ao mercado de trabalho
(art. 69, Lei 8.069)
d)
exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento
pessoal e social do educando prevalecentes sobre o aspecto produtivo (§
1º., art. 68, Lei 8.069);
e)
próprio para adolescentes, a partir de 14 anos (§3º.,
art. 227, da CF) que se encontrem em situação
de risco social;
f)
constituir parte de um processo educativo, e, portanto,
SEM
CRIAR VÍNCULO EMPREGATÍCIO (§2º., art. 68, Lei 8.069) com o tomador do
serviços;
30.- CONCLUSÃO. A educação profissional tem por objetivos: a)
promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e
adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício
de atividades produtivas; b) proporcionar a formação de profissionais, aptos a
exercerem atividades específicas no trabalho; c) especializar, aperfeiçoar e
atualizar o trabalho em seus conhecimentos tecnológicos; d) qualificar,
reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer
nível de escolaridade, visando sua inserção e melhor desempenho no exercício do
trabalho.
Assim,
dividida a educação profissional em três níveis de formação, para os níveis técnico
e tecnológico a educação pelo
trabalho poderá ser ministrada, sem vínculo empregatício, por
aqueles que preenchem os requisitos da Lei 6.494, aqueles matriculados em
cursos específicos e mediante estágios remunerados, ou, com vínculo empregatício,
mediante contrato de aprendizagem regulado pela CLT[7].
Já,
para a formação em nível básico, ou para adolescentes sem a exigência de qualquer
escolaridade prévia, essa educação deverá ser dada pelo sistema do TRABALHO
EDUCATIVO estatuído no art. 68, da Lei 8.069 (ECA), e condições supra
elencadas, não se confundindo com quaisquer das demais modalidades de aprendizagem
vistas.
Para
finalizar, voltamos aos ensinamentos de FLORES DE MORAES[8]
quando, remetendo-nos a Octávio Paz[9]
afirma que “na América Latina há uma contradição entre duas ordens: o ideal
e o real. As leis são novas, mas velhas
as sociedades”. Graças a essa
contradição, acrescenta ele, nenhuma regra constitucional foi suficiente para
alterar a distribuição de renda no País, situada entre as três ou quatro mais
injustas do planeta, constituindo-se essa a verdadeira causa da exploração do
trabalho da criança e do adolescente.
E
em conclusão, arremata:
“A respeito
dessa questão, há de se levar sempre em contra as palavras do Papa João XXIII, no sentido de que a
sociedade deve lutar “pela criação de instituições inspiradas na justiça
social” e a instauração de uma ordem jurídica que harmonize os interesses
particulares da atividade econômica com as exigências do interesse social. E a criação dessas instituições justas
somente poderá ser feita através do direito, conforme nos ensina François Rigaux (1974):
“Se o direito tem um sentido é o
de nos oferecer um projeto de sociedade futura e de contribuir, pelos métodos
que lhes são próprios, para realizá-la”
[1] Juiz Federal do
Trabalho (aposentado), Professor Universitário e Advogado.
[2] “O
estágio dos estudantes do ensino médio nas empresas”, Ed. CIEE, , pg. 10.
[3] Idem,
pg.11
[4] Autor e
ob. cit, pg. 15.
[5] O
estágio dos estudantes do ensino medido nas empresas”, Ed. CIEE, pg. 33.
[6] “Art.
431, CLT: A contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se
realizará a aprendizagem ou pelas entidades mencionadas no inciso II do art.
430, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora de
serviços.” A respeito, assim comenta SERGIO PINTO MARTINS, in Rev.
do Tribunal da 15ª Região, vol. 16, pg. 97: “A expressão “caso em que não
gera vínculo de emprego”, diz respeito apenas ao que vem antes da vírgula, ou
seja: “pelas entidades mencionadas no inciso II do art. 430” , isto é, as entidades sem
fins lucrativos. Não gerará, portanto,
vínculo de emprego coma empresa tomadora na hipótese de “os cursos de
aprendizagem serem prestados por entidades sem fins lucrativos.”
[7] Lei
10.097/2000.
[8] a. e ob.
cit., pg. 19 e 23
[9] PAZ,
Otávio, Aurora em liberdade, 1990.