quinta-feira, 12 de novembro de 2009

FORUM DE CIDADANIA: A MOROSIDADE DA JUSTIÇA.


Prezados companheiros em Rotary:

Primeiramente queria agradecer o comparecimento de tantos com-panheiros e amigos que vieram prestigiar este fórum rotário, o que demonstra que, quando um programa é bem elaborado e interessante, re-presenta instrumento fundamental para que o clube seja eficaz, além de promover o indispensável
companheirismo.

E esse reconhecimento deve ser tributado ao companheiro José Ricardo que, através de sua liderança e pragmatismo rotários consegue, na condução da Comissão de Programa, incentivar a todos para um contributo de qualidade às reuniões do clube.

Coube-me, portanto, a partir de minha classificação – Poder Judiciário: Juiz – coordenar este Fórum de Cidadania, trazendo ao debate a questão da Justiça, mais precisamente, em relação à morosidade na prestação jurisdicional.

Aliás, a tartaruga foi o animal que se associou à imagem do Poder Judiciário, por sua lentidão, longevidade e sapiência como resultado de uma pesquisa feita pelo Ibope a pedido da Associação dos Magistrados do Brasil para avaliar a imagem do Poder Judiciário no País.

Realmente, segundo Luiz Flávio Borges D´Urso, Presidente da OAB/SP, em artigo publicado no DCI na data de ontem (05/05/08), de cada 10 (dez) processos nas prateleiras do Judiciário, apenas três (3) são julgados no ano, o que demonstra que a taxa de congestionamento da Justiça, em todos os ramos, é de 70%, de modo a ser cada vez mais intolerável, dado o acúmulo de esperanças que se esvaem com o desencanto na Justiça.

E o mais grave de tudo é que o conceito de Justiça se confunde com o do próprio Direito e, este, por sua vez, com o Estado, na expressão Aristotélica do termo. Segundo Aristóteles, o termo justiça denota, ao mesmo tempo, legalidade e igualdade. Assim, justo é tanto aquele que cumpre a lei (justiça em sentido universal) quanto aquele que realiza a igualdade (justiça em sentido estrito, ou o Estado).

Por isso, devemos lembrar dos ensinamentos de Mauricio Ferreira Leite, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando em sua “Crônica sobre a Morosidade da Justiça”, foi enfático:

“Para bem conhecer, dominar e tratar de qualquer assunto é necessária uma investigação minuciosa e profunda de toda a problemática, até mesmo com rigor filosófico”.

Está claro que nesse reduzido tempo de que dispomos para discutir o problema, não poderemos nos aprofundar no estudo sugerido, mas procuraremos levantar as questões que se nos oferecem mais urgentes para o debate a seguir.

A Justiça, ou melhor, o Poder Judiciário como o conhecemos hoje remonta à queda da Monarquia absoluta, notadamente com a Revolução Francesa e o ideal de Montesquieu a respeito da repartição dos poderes do Estado. Até então, era ela atributo do Poder Monárquico, enfeixado na mão do Soberano. Pode-se dizer, sem qualquer possibilidade de errar, que a Justiça é um dos pilares de sustentação da Democracia, ou do Estado Democrático de Direito.

A respeito, já advertia Ruy Barbosa, quando afirmava que o “eixo da democracia é a Justiça, eixo não abstrato, não fictício, não meramente formal, mas de uma realidade profunda que, falseando ele ao seu mister, todo o sistema cairá em paralisia, desordem e subversão”.

Por isso, onde a Justiça deixa de ser independente e forte, temos uma democracia instável ou, mesmo, a falta de democracia, em detrimento do cidadão. No Brasil, foi com a proclamação da República, em 1891 que o Judiciário se elevou à altura de poder político do Estado, mediante a função do contrôle constitucional dos demais Poderes.

E, na lição de outro Juiz, desta feita o Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz (Juiz Federal da 4ª Região – POA), “não há plano de governo que se possa cumprir satisfatóriamente sem a edição de leis e decretos novos, que criem condições necessárias à sua execução. A conveniente e justa aplicação dessas leis será o fator ponderável para que o plano possa ser levado adiante. Ademais, na sabedoria dos julgadores e na presteza de sua prolação reside um elemento decisivo da paz social”.

Diversas, entretanto, tem sido as críticas ao desempenho e às causas do mau funcionamento do Judiciário, tanto no âmbito político-administrativo, quanto econômico e, até, ético e ideológico.

Dizem os mais contundentes que o Poder Judiciário é desestruturado, com funcionários sem o devido preparo para as elevadas funções a que são colocados, com insuficiência de magistrados e em alguns casos, notabilizado pelo nepotismo e corporativismo.

Outros apontam o anacronismo de nosso sistema processual, com elevado número de recursos contra decisões judiciais, transitando por órgãos diversos ou diversificados, quer em âmbito estadual quer na esfe-ra federal.

Mas, o que não se pode ignorar é que agilizar o processo significa aumentar o volume de julgamentos, num menor espaço de tempo e com o mesmo contingente humano. Aí, se os números por nós citados de iní-cio, quanto ao congestionamento reinante, já são alarmantes, o problema só se agravará.

Enfim, há debate nacional envolvendo não apenas juristas e juízes, mas políticos e profissionais de ciências correlatas acerca do que deve ser bom para o Brasil em termos de reforma do judiciário, em fase de implantação a partir da Emenda Constitucional nº 45: quer através da criação do Conselho Nacional da Magistratura, órgão de controle externo, com a incumbência de coibir os abusos contra a dignidade da Justiça, quer através da adoção de Súmulas Vinculantes, como instrumento de aceleração dos julgamentos.

Mas, em verdade, o que se contrapõem, como fatores de risco na aceleração da Justiça, são justamente, de um lado, a ampliação do direito de acesso do cidadão ao Judiciário, e, de outro, a agilização do Processo como instrumento da realização rápida dessa Justiça, o que é um para-doxo.

E, segundo o já citado Juiz Thompson Flores Lenz, compete ao magistrado, como bom missionário do Direito, a necessidade sempre maior de oferecer às suas elevadas funções e sublime inspiração das melhores virtudes humanas, pois só assim poderá realizar a sua vocação não importa com que sacrifícios, mas cumprindo a grandeza do próprio destino da Justiça. Arremata ele, “a magistratura, é importante acentuar, é a força de um idealismo e não simplesmente uma carreira despida de elevado objetivo”.

Aqui, exatamente, reside a maior possibilidade de cometimento de injustiças: para combater a morosidade da Justiça, salta-se sobre a segurança jurídica, de modo a cercear-se o devido processo legal, mediante o atalho da celeridade.

E então o Judiciário fica aberto às manipulações de dados, distorções de procedimentos e à demagogia de seus interlocutores, tornando-se presa fácil da infiltração ideológica e destruidora do prestígio e dignidade do próprio Poder Judiciário, com intuitos pouco ortodoxos, perdendo o autocontrole racional.

Para concluir, não vejo a morosidade da Justiça como o grande mal que assola o nosso Judiciário. Bem ou mal, está-se buscando soluções e encontrando meios para suprir deficiências tanto pessoais, quanto administrativas e econômico-financeiras para o cumprimento de seu elevado mister.

Entretanto, para se diagnosticar a crise da Justiça, como sustentáculo do Estado Democrático e de Direito, não se precisa de grande acuidade para se perceber que o Poder Judiciário se apresenta desacreditado, ou o fazem desacreditar, perante o jurisdicionado. Este, sim, é o mal maior.

Segundo indica a avaliação recentemente feita pelos próprios juízes, por seus dirigentes associativos reunidos na AMB, já mencionada, dentre as maiores causas para esse desgaste, está a “falta de efetividade das decisões judiciais e as práticas administrativas ultrapassadas e anacrônicas no 1º e 2º graus de jurisdição”, parecendo óbvio, também, “que as qualidades do Poder Judiciário não estão sendo corretamente difundidas para a população”.

São, sem sombra de dúvidas, essas questões de enorme relevância no sentido de tornar vulnerável a credibilidade do Poder Judiciário. Mas, no meu modesto modo de pensar, a partir da experiência da judicatura numa fase de transição política e econômica por que passou nosso País, e vem passando, ainda, a questão nodal é bem outra. Trata-se de uma crise de identidade do próprio Judiciário, eis que a partir de uma preocupação exacerbada de democratizar-se (e o conceito respectivo não está muito claro), vulgarizou-se perante os olhos do jurisdicionado, e, daí, sujeitou-se a manobra de seus detratores no sentido de seu descrédito.

Os exemplos são vários, mas a politização dos juízes lidera o ranking dos males provocadores dessa situação que vivenciamos. Quando digo politização não me refiro à associação dos juízes em torno da defesa de seus interesses pessoais, profissionais e corporativos, nas AMATRAS, AJUFES, ANAMATRA E AMB. Eu me refiro à exteriorização dessa atitude política, de forma ideológica, em favor de movimentos reivindicativos sociais, ou, mesmo, socializantes.

Está claro que ao exteriorizar suas idéias por outra forma, que não seja a sentença judicial, o Juiz se sujeita às opiniões e reações contrárias, e, com ele, o próprio Poder.

Já tivemos, no passado, exemplos gritantes de submissão do poder jurisdicional ao poder político central, de modo a distorcerem-se interpretações constitucionais para atender a interesses ocasionais, e de gestão pública.

Hoje o que vemos são os juízes, a pretexto de agirem como cidadãos com poder jurisdicional, e, portanto, com responsabilidade social, ditarem normas de justiça acima de qualquer limitação legislativa, impondo o justo ao legal de forma arbitrária ou, o que é pior, comprometida ideologicamente. Quando o Poder Judiciário passa de poder jurisdicional para poder político, assume, com este, a indesejada carga de oposição dialética que o debilita e o torna parcial e tendencioso. O equilíbrio da balança perde seu centro e desequilibra as relações em julgamento.

Assim, portanto, atacadas as causas objetivas da morosidade judicial, só existirá um Estado de Direito e Democrático quando, observada rigorosamente a Teoria da Separação dos Poderes, tivermos um Poder Judiciário autônomo, forte e que seja, efetivamente, a Balança da Justiça, posicionado entre os dois demais Poderes e infenso aos embates políticos, como mediador e fiel aplicador da lei, conforme o direito emanado das fontes respectivas.

Dura Lex, Sed Lex, já diziam os Romanos. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus, e aos cidadãos, a Justiça. Sem mais, nem menos, mesmo que tardia.

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