segunda-feira, 16 de novembro de 2009

CAPÍTULO II - ESTADO: TEORIAS SOCIOLÓGICA, JURÍDICA E POLÍTICA


1. Teoria sociológica. - ARISTÓTELES, em sua obra máxima, “A POLÍTICA”, já afirmava que o “homem é um animal social” (politikon zoon), e, como tal, não pode viver senão em sociedade. A atividade humana não se desenvolve isoladamente, antes, quanto mais caminhamos para os tempos modernos, tanto mais se multiplicam e intensificam os esforços coletivos; muitas finalidades podem ser alcançadas só com a operosidade concorde de muitos homens; em outros casos, o abster-se de uma ação por parte de determinada pessoa nada adianta senão é acompanhada, de outra parte, da abstenção de muitas outras pessoas. Disso se extrai uma ilação verdadeira e oportuna, como ressalta ADERSON DE MENEZES (“Teoria Geral do Estado”), segundo a qual o homem não vive tão somente, mas o imperativo é que viva com seus semelhantes, conviva portanto, numa convivência sadia e revestida de princípios pelo manto da moral e, posteriormente, suportada pelo alicerce do direito.

2. Porisso, naturalmente, segundo ainda ARISTÓTELES, “a sociedade constituída para prover às necessidades cotidianas é a família. Já a “primeira sociedade formada por muitas famílias tendo em vista a utilidade comum, mas não cotidiana, é o pequeno burgo”, e, aquela “constituída por diversos pequenos burgos forma uma cidade (Estado) completa, com todos os meios de se abastecer por si, e tendo atingido, por assim dizer, o fim a que se propôs. Nascida principalmente da necessidade de viver, ela subsiste para uma vida feliz”. Por influência de ARISTÓTELES, no século I AC, em Roma, CÍCERO afirmava que “a primeira causa da agregação de uns homens a outros é menos sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar apoio comum”. Por outro lado, SANTO TOMÁS DE AQUINO, o mais expressivo seguidor de ARISTÓTELES, afirma que o “homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade”. Acentua-se assim, mais uma vez, a existência de fatores naturais determinantes da permanente associação entre os homens como forma normal de vida.

3, Modernamente, como acentua DALMO DALLARI, são muitos os autores que se filiam a essa mesma corrente de opinião, estando entre eles o notável italiano RANELLETTI, que enfoca diretamente o problema, com argumentos precisos e colhidos na observação da realidade. Diz ele que, onde quer que se observe o homem, seja qual for a época, mesmo as mais remotas a que se possa volver, o homem sempre é encontrado em estado de convivência e combinação com os outros, por mais rude e selvagem que possa ser na sua origem. O homem singular, completamente isolado e vivendo só, próximo aos seus semelhantes sem nenhuma relação com eles, não se encontra na realidade da vida. O homem é induzido fundamentalmente por uma necessidade natural, porque o associar-se com os outros seres humanos é para ele condição essencial de vida. Só em tais uniões e com o concurso dos outros é que o homem pode conseguir todos os meios necessários para satisfazer as suas necessidades e, portanto, conservar e melhorar a si mesmo, conseguindo atingir os fins de sua existência.

4.- Em linhas gerais, como arremata o Prof. DALLARI, são esses os argumentos que sustentam a conclusão de que a sociedade é um fato natural, determinado pela necessidade que o homem tem da cooperação de seus semelhantes para a consecução dos fins de sua existência. Essa necessidade, acrescenta, não é apenas de ordem material, uma vez que, mesmo provido de todos os bens materiais suficientes à sua sobrevivência, o ser humano continua a necessitar do convívio com os seus semelhantes. Mas não é só isso. É importante considerar, ainda, que a existência desse impulso associativo natural não elimina a participação da vontade humana, pois, consciente de que necessita da vida social, o homem a deseja e procura favorecê-la, o que não ocorre com os irracionais, que se agrupam por mero instinto, e, em conseqüência, de maneira sempre uniforme, sem que haja aperfeiçoamento. Porisso, conclui DALLARI , a sociedade é o produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana.

5.- Teoria jurídica. - Exatamente por agir a vontade humana em conjugação com o impulso associativo natural do homem, a atividade humana não se desenvolve caótica e confusamente, segundo impulsos do momento. Cada um de nós organiza o próprio horário diário, a própria vida; elabora planos e projetos que lhe hão de servir de guia para a ação e decide a que horas se há de levantar, que ao trabalho se há de dedicar tantas horas e não mais que isto, que fará este ou aquele serviço e não este antes daquele... Há, portanto, em toda nossa vida cotidiana um todo complexo de regras, de conformidade com as quais desenvolvemos as nossas ações. E tanto podemos dizer que organizamos o nosso dia, o nosso trabalho, a nossa vida, quanto os disciplinamos de acordo com regras às quais nos atemos. Outrossim, não nos atemos em coordenar as nossas ações isoladamente mas, em particular, importa também coordenar as praticadas conjuntamente, com os demais indivíduos, para a consecução de uma mesma finalidade. Tal não poderá ser obtido, evidentemente, senão por meio de regras que disciplinam o agir coletivo, organizando-se num só todo, não já as ações de cada indivíduo, mas a de muitos homens. Onde existe disciplina há organização deste último gênero; onde existe regras que coordenam as ações de muitos homens se diz que existe, entre tais homens, uma sociedade de que são membros.

6.- A vida social do homem, pois, é intensa, além de profundamente variada, exigindo uma ordem e disciplina consubstanciada em regras ou normas de comportamento que organizam a sociedade. Uma sociedade, portanto, tem sempre uma organização, ainda que rudimentar (uma sociedade desorganizada é uma contradição em termos) e a organização, por sua vez, sempre é dada por regras que, por isto mesmo, disciplinam, organizam a atividade social. Não se pode confundir sociedade com reunião casual, como daquelas que ocorrem voluntariamente para apagar um incêndio ou para prestar socorro em calamidade pública, ou, ainda, em um auditório de conferência, etc.... Todavia, se quantos amam certas manifestações culturais deliberam encontrar-se e assegurar-lhes certa periodicidade, tais manifestações constituem, então, uma sociedade, porque os seus membros tomaram deliberações, ou seja, adotaram regras com as quais terão certa organização e decidiram, por exemplo, reunir-se periodicamente ou instituir comissão para prover e assegurar tais manifestações ou, ainda, estão empenhados em entrar com contribuições, escolher sede, e assim por diante. Igualmente, haverá sociedade se a obra de socorro é prestada não mais casualmente, mas segundo regras pelas quais os indivíduos se comprometeram a prestar a sua atividade, determinaram prestá-la, etc....

7.- A existência de uma sociedade, pois, implica, sempre, a presença de regras, de normas de comportamento referentes ao agir humano e pelas quais a atividade de muitos homens fica coordenada socialmente, para a consecução do resultado coletivo buscado pela sociedade. Estas regras ou normas de comportamento que organizam a sociedade denominam-se normas jurídicas. O complexo de normas que organizam determinada sociedade e que, dado o seu escopo único e bem individuado, forma, portanto, um grupo unitário e homogêneo a que se denomina ordenação jurídica, expressão que compreende tanto o disciplinar quanto o organizar. Direito ou ordenação jurídica e Sociedade são, assim, coevos, ou seja, um não existe sem o outro: “Ubi societas, Ibi ius”, e, reciprocamente, “Ubi ius, Ibi societas”. Pode, assim, segundo o instinto natural associativo e a vontade humana, haver tendência, aspiração, à sociedade. Até o momento, porém, em que não for constituída a ordenação jurídica sobre que se firme a sociedade, o Estado não existe. Devido ao fato de o direito inserir-se numa organização social de fato existe é que o direito se chama direito positivo. De outra parte, onde se afirma a existência de sociedades naturais, como a família, a comunidade humana em geral, afirma-se necessariamente, dado o nexo entre sociedade e direito, a existência de um direito natural próprio daquelas sociedades. Porisso, quando se sustenta, como RANELLETTI, que “a sociedade é um fato natural, um dado da natureza determinado pela necessidade que o homem tem da cooperação de seus semelhantes, para a consecução dos fins de sua existência”, é conseqüentemente ilógico e contraditório, como alertava ATALIBA NOGUEIRA, negar-se o direito natural. Porisso, mesmo negando a existência de tal direito natural, já afirmava KELSEN que “a sociedade (ESTADO) existe e encontra a própria unidade e o modo de realizar suas próprias finalidades somente através do direito”. Assim, segundo a teoria jurídica do Estado, a “organização social é toda ela dada pelo direito e o direito é composto exclusivamente de normas”.

8.- Teoria política do Estado. - Considerando que a atividade humana, seguindo um instinto associativo, se desenvolve no sentido de uma finalidade, temos que há sociedades com objetivos fundamentalmente diversos. Justamente atentando para esse aspecto, o sociólogo FILIPPO CARLI, lembrado por DALLARI, indicou a existência de três categorias de grupos sociais, segundo as finalidades que os movem: a) sociedades que perseguem fins não determinados e difusos (família, cidade, Estado, etc.); b) sociedades que perseguem fins determinados e são voluntárias, no sentido de que a participação nelas é resultado de uma escolha consciente e livre; c) sociedades que perseguem fins determinados e são involuntárias, uma vez que seus membros participam delas por compulsão (o exemplo mais típico é a Igreja). DAVID EASTON, uma das principais figuras da Ciência Política norte-americana, de seu lado, tem sustentado que a principal distinção que se ode fazer entre os grupos sociais é aquela que coloca de um lado as instituições governamentais e, de outro, todas as demais espécies de agremiações. Em linguagem direta, como preleciona DALLARI, e considerando as respectivas finalidades, podemos distinguir duas espécies de sociedades: a) aquelas de fins particulares, quando têm finalidade definida, voluntariamente escolhida por seus membros; b) aquelas de fins gerais, cujo objetivo, indefinido e genérico, é criar condições necessárias para que os indivíduos e as demais sociedades que nelas se integram consigam atingir seus fins particulares. Essas sociedades de fins gerais são comumente chamadas de sociedades políticas. São, pois, políticas todas aquelas sociedades que, visando criar condições para a consecução dos fins particulares de seus membros, ocupam-se da totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um fim comum. Entre as sociedades políticas, a que atinge um círculo mais restrito de pessoas é a família. Mas a sociedade política de maior relevância, por sua capacidade de influir e condicionar, bem como por sua amplitude, é o Estado. Daí, alguns tratadistas chegam à conclusão de que o Estado “é a organização política de um grupo social”, ou, como no conceito de BLUNTSCHLI, sintetizado por ANDERSON DE MENEZES, “a pessoa politicamente organizada da nação em um país determinado”.

9.- Crítica à teoria política do Estado. - Poder-se-á dizer que o Estado é uma sociedade política, isto é, de fins políticos, como acima ficou demonstrado, do mesmo modo que se fala de sociedades esportivas ou culturais, isto é, de fins esportivos ou culturais. Indaga-se, contudo, se é também esportiva a organização de uma sociedade esportiva e se é culturas a organização de uma sociedade cultural. Ora, a organização de uma e outra sociedade é sempre jurídica, ou através de normas jurídicas, ainda que aperfeiçoada de modo diverso para atingir as particulares finalidades esportivas ou culturais. Desse modo, a organização do Estado terá suas peculiaridades, dadas as finalidades políticas, mas será e não poderá deixar de ser outra coisa que organização jurídica.

Um comentário:

  1. O pensamento rege nossas palavras, que por sua vez regem nossos atos.
    O indivíduo para conviver em harmonia com a sociedade, deve seguir regras que ditam a nossa conduta e nossa ética. Cada indivíduo, como a própria definição diz, é independente em pensamento e atitudes. Mesmo que pertençam a uma mesma cultura. religião ou raça, existem uma multiplicidade de idéias e atitudes, pois uma palavra recebida, ou uma atitude recebida, muda a sorte deste.
    E cada atitude deste indivíduo, é a posição que ele se encontrará nesta sociedade. Podemos compreender com isto que a relação do indivíduo com a sociedade (harmonicamente), é imposta, portanto um artifício para o homem, mas se cada um fizesse o que pensa, o mundo seria um caos.
    O que não podemos admitir é convivermos com regras impostas que favorecem a um pequeno grupo que as criam, as regras devem ser universais para que possamos conviver dentro da civilidade que o mundo globalizado de hoje, necessita.

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