terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Educação e o Trabalho do Jovem Adolescente


O TRABALHO EDUCATIVO OU A EDUCAÇÃO PELO TRABALHO[1].

Genesio Vivanco Solano Sobrinho[2]

1.-            INTRODUÇÃO.  Sempre que se fala em trabalho do adolescente, faz-se cara feia e se pensa logo em exploração.  Se falamos em trabalho sem vínculo empregatício, então, estaremos  provocando uma reação tão estupenda daqueles que se dizem responsáveis pelo bem estar do menor, e pretensamente tutelares, que acabamos nos sentindo em situação de enorme constrangimento.

                Sobre o tema, entretanto, nos sentimos confortados com o alentado e bem fundamentado trabalho realizado pelo Prof. ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, que publicou um dos mais completos estudos sobre a situação do adolescente que conhecemos. 

                 Já em seu prefácio, após lembrar a preocupação da Organização Internacional do Trabalho, que critica a falta de regulamentação do trabalho do adolescente pelos países-membros, ressalta que, a par de uma política tendente a assegurar a efetiva abolição do trabalho exercido por crianças, e a aumentar progressivamente a idade mínima para se admitir empregados,

“é necessário reconhecer-se a maioridade da sociedade e sua capacidade  de criar instrumentos próprios de autodefesa, independente do regulamentarismo estatal, tornando-se, assim, indispensável a criação de atividade regular remunerada para os adolescentes, com finalidade pedagógica e sem o seu ingresso no mercado de trabalho.  Essa medida, no entanto, não pode significar fraude à legislação trabalhista, mas sim meio de educação de nossa juventude” [3].

             Porisso há que se dar a devida atenção para o que dispõe a nossa Constituição Federal, quando, em seu art. 227, declara ser a criança e o adolescente titulares de Direitos Fundamentais, dentre os quais se inscrevem os direitos à educação, a  proteção ao trabalho e à profissionalização, e, no  art. 214, que a lei estabelecerá o plano nacional de educação visando, dentre outras ações do Poder Público, a FORMAÇÃO PARA O TRABALHO.

                Em conseqüência, portanto, cresce de importância o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e a nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96) que se apresentam como “leis especiais” e visam intervir e regulamentar essas áreas estratégicas de proteção de direitos infanto-juvenis, a par das normas que disciplinam o efetivo ingresso do adolescente no mercado de trabalho.

                Mister se faz, em conseqüência, que o trabalho educativo, previsto no art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente...

“prolifere entre nós, o que possibilitará, por si só, uma maior flexibilidade na aplicação das normas trabalhistas”,

como vaticinou o autor supra mencionado.

                O objetivo do presente trabalho, portanto, é o de colaborar com a difusão do conhecimento a respeito desse tipo de trabalho e sua importância para a educação do adolescente, dentro de uma política de proteção ao menor e com a preocupação de propiciar-lhe condições dignas de desenvolvimento físico e mental, como fatores de integração a atividade produtiva e ao bem estar social.

2.-            DA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO.  Cumprindo o mandamento constitucional pertinente, dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art. 39, que a

“educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”,

acrescentando, ainda, que ela

“será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho” (art. 40).

                Regulamentando tais disposições, o Decreto Federal 2.208, de 17.04.97, especifica três níveis de educação profissional: básico, técnico e tecnológico, a saber:

“I.-  básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independentemente de escolaridade prévia;

II.- técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto;

III.- tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico.

                Assim, portanto, a educação para o trabalho, como visto, será propiciada em três níveis, observando-se que, enquanto o técnico e o tecnológico são destinados à habilitação profissional TÉCNICA OU SUPERIOR, destinados a alunos matriculados em cursos médios ou de nível superior do sistema nacional de ensino regular, o nível básico se destina a formação de trabalhadores em geral, sem qualquer escolaridade prévia.  É esta, portanto, a primeira, e verdadeira, FORMAÇÃO PARA O TRABALHO a que se refere o art. 214, da Constituição Federal.

3.-              DA EDUCAÇÃO PELO TRABALHO.  Conforme ressaltado acima, essa educação, ou formação para o trabalho, poderá ser ministrada ou através do ensino regular ou articulada em “estratégias de educação continuada”: em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.

                Quando ministrados através da rede de ensino regular ou de instituições especializadas, não existirá qualquer dúvida que o processo de formação será parte de um processo educacional próprio, de natureza pedagógica.

                Entretanto, questões haverão de ser respondidas quando tal formação for ministrada no ambiente de trabalho, e, portanto, tratar-se de uma educação pelo trabalho e, da ação do educando, durante seu aprendizado, resultar uma prestação de serviço.

                Em virtude de tratar-se de um trabalho produtivo, com inevitável valor econômico, jamais poderá deixar de ser remunerado.  De outra parte, desenvolvendo o trabalho no âmbito de uma empresa, estará o educando, sempre, submetido às ordens e disciplina da própria empresa, e, portanto, a um trabalho subordinado.

                A questão fundamental que surge é aquela de se saber em que condições tal trabalho não deverá ser considerado para os fins da legislação trabalhista, protetora dos trabalhadores em geral, e dos menores em especial (Cap. IV, da CLT), ou com vínculo empregatício.

4,-    DO CONTRATO DE APRENDIZAGEM. O Brasil, que adotava a limitação em 14 (catorze) anos para a idade mínima de admissão do menor ao processo produtivo, com a Constituição de 1.967 teve essa idade reduzida para 12 anos. Com a promulgação da nova Constituição em outubro de 1988, essa idade retornou aos 14 anos (art. 7º, inciso XXXIII) e, pela recente E.C. 20/98, foi ampliada para 16 anos, estando assim redigido o dispositivo constitucional em vigor:

“Art. 7º. - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais...

  XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho A MENORES DE DEZESSEIS ANOS, salvo na condição de aprendiz”.

                 Por esse dispositivo legal, combinado com aquele do art. 227, §3º, inciso I, da mesma Constituição, tem-se que NENHUM MENOR PODERÁ SER ADMITIDO COMO EMPREGADO (contrato regido pela legislação social, ou CLT e legislação complementar) antes de completar 16 anos, SALVO NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ.
      
               Quer isto dizer que o menor é ADMITIDO como integrante do PROCESSO PRODUTIVO (econômico), com os direitos trabalhistas e previdenciários assegurados pela Constituição, já a partir de 14 ANOS, desde que mediante um CONTRATO DE APRENDIZAGEM.

                Mas, duas outras questões devem ser colocadas:

1ª) todo trabalho executado por um menor entre 14 e 16 anos deverá ser objeto de um contrato de aprendizagem?

2ª) todo contrato de aprendizagem será um contrato de trabalho, ou seja, com vinculo empregatício?

                 Em princípio, em se tratando de um processo de formação para o trabalho e pelo trabalho, teríamos que todo contrato para que tanto se realize no ambiente de trabalho deveria ser um contrato de aprendizagem.

                Contudo, conforme a redação que lhe foi dada pela recente lei 10.097, de 19/12/2000, pelo art. 428, da CLT, dever-se-á entender por contrato de aprendizagem:

“o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação”.

                Logo, pela definição legal, o denominado contrato de aprendizagem será restrito aos casos de formação técnico-profissional, ou de educação profissional de nível técnico, a que se refere o supra mencionado art. 3º. do Decreto 2.208/97.

                Nesse caso, o trabalho do adolescente será daqueles com vínculo empregatício, e, assim, submetido às normas da Consolidação das Leis do Trabalho.

                No entanto, reza a Lei n. 6.494, de 07 de dezembro de 1.977, que as Pessoas Jurídicas de Direito Privado, os Órgãos da Administração Pública e as Instituições de Ensino

“podem aceitar, como estagiários, alunos regularmente matriculados e que venham freqüentando, efetivamente, cursos vinculados à estrutura do ensino público e particular, nos níveis superior, profissionalizante de 2º. grau e supletivo.”

                Trata-se, também, de um processo de formação profissional ministrada no ambiente de trabalho, correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, e, portanto, de 3º. nível na escala prevista no art. 3º. do Decreto 2.208,  extensivo a egressos do ensino médio e técnico profissionalizante..

                Teremos, então, um aprendizado submetido a contrato de estágio, não deixando o educando de ser um aprendiz, mas sua prestação de serviço não cria vínculo empregatício (art. 4º., Lei 6.494/77), e, assim, sem ser objeto de um contrato de aprendizagem.

                Concluindo, e procurando responder as perguntas acima formuladas, podemos dizer que, observados os níveis de educação para o trabalho previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, todo empregado adolescente tem direito de ser submetido a um processo de formação profissional no próprio ambiente de trabalho através de um contrato de aprendizagem, nos termos do art. 428 e 429, da CLT, e, portanto, com vínculo empregatício.

                Tratando-se, no entanto, de adolescente não empregado, mas matriculado em curso vinculado à estrutura do ensino público ou particular, de nível profissionalizante de 2º. grau, a exemplo daqueles de curso superior, poderá ser beneficiado por um contrato de estágio, nos termos da Lei 6.494, e, pois, sem vínculo empregatício. 

                Logo, para os efeitos do disposto no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal há de se entender, restritivamente, a expressão aprendiz para os casos de menores submetidos à disciplina do art. 428, da CLT.

                Assim, portanto, a Lei 6.494, de 7 de Dezembro de 1977, visa proporcionar a complementação do ensino e de aprendizagem àqueles alunos regularmente matriculados, e que venham freqüentando efetivamente, cursos vinculados à estrutura do ensino público e particular nos níveis superior, profissionalizante de 2º. grau e supletivo.

5.-            DO TRABALHO EDUCATIVO. Acontece, porém, que existe uma grande parcela de adolescentes, situada na faixa etária entre 14 e 16 anos, em condições para a educação profissional de nível básico, sem qualquer escolaridade, e muitas vezes, marginalizados de toda e qualquer proteção educacional ou social. 

                 E é exatamente para estes que o art. 68 da Lei 8.069/90 (ECA) prevê

                 "a possibilidade de sua participação no programa social que tenha por base o trabalho educativo”,

observando os §§ 1º. e 2º. que se entende por trabalho educativo

“A ATIVIDADE LABORAL EM QUE AS EXIGÊNCIAS PEDAGÓGICAS RELATIVAS AO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL DO EDUCANDO PREVALECEM SOBRE O ASPECTO PRODUTIVO DE MODO QUE A REMUNERAÇÃO QUE RECEBER, PELO TRABALHO EFETUADO OU A PARTICIPAÇÃO NA VENDA DOS PRODUTOS DE SEU TRABALHO, NÃO DESFIGURA ESSE CARÁTER EDUCATIVO”.

                Já o artigo 91, da mesma Lei 8.069, declara que as “entidades não governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente”, e, portanto, sem qualquer vinculação com o Ministério do Trabalho.

                Compreendendo o nível básico da educação profissional do adolescente, o trabalho educativo será parte integrante de um processo de aprendizagem, sim, mas em que o aspecto pedagógico prevalece sobre o aspecto produtivo.

                E, para encerrar qualquer polêmica a respeito, através do art. 431, da CLT, com a redação resultante da Lei 10.097[4], fica EXPRESSAMENTE AFIRMADA a inexistência do vínculo empregatício no caso de o trabalho educativo ser contratado a uma entidade sem fins lucrativos autorizadas, a que se refere o art. 430, da mesma CLT.

                Distintos, portanto, os contratos de aprendizagem, de estágio e de trabalho educativo, podemos afirmar serem característicos diferenciadores deste último:
         
a)    aprendizado destinado à qualificação profissional básica de adolescentes a partir de 14 anos,  independentemente de sua escolaridade prévia (art. 3º., I, do Decreto 2.208/1997);

b)    atividade educacional e laboral do adolescente vinculada a uma instituição governamental, ou não governamental sem fins lucrativos devidamente registrada no Conselho Municipal dos Direitos e da Criança (art. 68, caput e 91, Lei 8.069, 13.7.90);

c)    respeito a condição peculiar  da pessoa em desenvolvimento e  capacitação adequada ao mercado de trabalho (art. 69, Lei 8.069)

d)    exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecentes sobre o aspecto produtivo (§ 1º., art. 68, Lei 8.069);

e)    próprio para adolescentes, a partir de 14 anos (§3º., art. 227, da CF)  que se encontrem em situação de risco social;

f)      constituir parte de um processo educativo, e, portanto, SEM CRIAR VÍNCULO EMPREGATÍCIO (§2º., art. 68, Lei 8.069) com o tomador do serviços;

6.-            CONCLUSÃO.    A educação profissional tem por objetivos: a) promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades produtivas; b) proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades específicas no trabalho; c) especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalho em seus conhecimentos tecnológicos; d) qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade, visando sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho.

                Assim, dividida a educação profissional em três níveis de formação, para os níveis técnico e tecnológico a educação pelo trabalho poderá ser ministrada, sem vínculo empregatício, por aqueles que preenchem os requisitos da Lei 6.494, aqueles matriculados em cursos específicos e mediante estágios remunerados, ou, com vínculo empregatício, mediante contrato de aprendizagem regulado pela CLT[5].

                Já, para a formação em nível básico, ou para adolescentes sem a exigência de qualquer escolaridade prévia, essa educação deverá ser dada pelo sistema do TRABALHO EDUCATIVO estatuído no art. 68, da Lei 8.069  (ECA), e condições supra elencadas, não se confundindo com quaisquer das demais modalidades de aprendizagem vistas.

                Para finalizar, voltamos aos ensinamentos de FLORES DE MORAES[6] quando, remetendo-nos a Octávio Paz[7] afirma que “na América Latina há uma contradição entre duas ordens: o ideal e o real.  As leis são novas, mas velhas as sociedades”.  Graças a essa contradição, acrescenta ele, nenhuma regra constitucional foi suficiente para alterar a distribuição de renda no País, situada entre as três ou quatro mais injustas do planeta, constituindo-se essa a verdadeira causa da exploração do trabalho da criança e do adolescente.

                E em conclusão, arremata:

“A respeito dessa questão, há de se levar sempre em contra as palavras do Papa João XXIII, no sentido de que a sociedade deve lutar “pela criação de instituições inspiradas na justiça social” e a instauração de uma ordem jurídica que harmonize os interesses particulares da atividade econômica com as exigências do interesse social.  E a criação dessas instituições justas somente poderá ser feita através do direito, conforme nos ensina François Rigaux (1974):

“Se o direito tem um sentido é o de nos oferecer um projeto de sociedade futura e de contribuir, pelos métodos que lhes são próprios, para realizá-la”.

                                                           São Paulo, 24 de Dezembro de 2000.                



[1] Trabalho publicado na “Revista do TRT da 15ª Região”, ed. LTr, Março/2002, pg. 84.
[2] Juiz do Trabalho (aposentado); Professor Universitário, Advogado, Ex-Presidente do Rotary Club de São Paulo – Santo Amaro (2001-2002), Presidente do Centro Rotário Educacional, Social, Cultural e Recreativo de Santo Amaro-CRESCER (1998-2003; 2009-2011),  ex-Diretor Adjunto da Federação Brasileira de Patrulheirismo, ex-Coordenador Regional - Distrital Zona Sul - do DEGRAU  e ex-Conselheiro Consultivo da Associação Comercial do Estado de São Paulo e  Conselheiro Diretor da sua Distrital de Santo Amaro.
[3] “Trabalho do Adolescente – proteção e profissionalização”, Ed. Del Rey, 1995, pg. 41.
[4] “Art. 431, CLT: A contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades mencionadas no inciso II do art. 430, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora de serviços.” A respeito, assim comenta SERGIO PINTO MARTINS, in Rev. do Tribunal da 15ª Região, vol. 16, pg. 97: “A expressão “caso em que não gera vínculo de emprego”, diz respeito apenas ao que vem antes da vírgula, ou seja: “pelas entidades mencionadas no inciso II do art. 430”, isto é, as entidades sem fins lucrativos.  Não gerará, portanto, vínculo de emprego coma empresa tomadora na hipótese de “os cursos de aprendizagem serem prestados por entidades sem fins lucrativos.”
[5] Lei 10.097/2000.
[6] a. e ob. cit., pg. 19 e 23
[7] PAZ, Otávio, Aurora em liberdade, 1990.

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