quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DO ESTADO, NOÇÕES GERAIS


OBJETIVOS, METODOLOGIA, FONTES DE PESQUISA E RELAÇÕES COM OUTRAS CIÊNCIAS.

1) O Estado se nos apresenta para estudo sob diversos aspectos: histórico, sociológico, econômico, filosófico e político. Observemos as coisas em nosso derredor. Numa sala de aula, por exemplo, se nos colocarmos a examinar qualquer dos objetos que nos rodeiam, um banco, um quadro negro, entre outros, podem ser vistos sob o ângulo da biologia, da física, da química, da estática, da geografia, da história, etc.. Assim também vamos estudar Estado, que se apresenta,também, sob esses diversos aspectos:

2) Sob o aspecto histórico. História é a narração coordenada dos acontecimentos relativos tanto ao homem como a um povo ou toda a humanidade. A partir da etimologia grega - histor, que significa testemunha - vai a história interrogar todos quantos testemunharam o nascimento do Estado, quando e como se organizou, se foi dividido, subdividido ou acrescido. Se conquistou outros Estados, se um dia o seu governo foi republicano, outro dia monárquico ou aristocrático e, também, se algum dia a democracia conviveu com esta ou aquela forma de governo;

3) Sob o aspecto etnográfico. De acordo com a própria definição - descrição da cultura de cada povo - é pelo aspecto etnográfico que se tem a feição do grupo político, de preferência entre os primitivos atuais, ou aqueles povos que hoje ainda habitam certas regiões do mundo mas cuja cultura ou civilização - palavras sinônimas - se apresenta, tanto quanto possível, ainda na sua pureza primitiva. Se deixarmos a simples descrição para investigarmos as leis fundamentais da origem e desenvolvimento das várias culturas, já então estaremos no campo da etnologia e, assim, sob o aspecto etnológico, estudando o Estado;

4) Apresenta-se-nos, ainda o Estado sob a feição econômica e como tal vemo-lo imiscuir-se na produção, na circulação, distribuição e consumo de riquezas;

5) Aspecto sociológico. A sociologia é a ciência indicativa das causas segundas do fato social. Ocupa-se, portanto, com o fato social, que é a relação entre duas ou mais pessoas, tendo em vista um fim comum. É a ciência da massa dos fenômenos. Não busca o que deve ser mas, sim, o que é. Dessa forma, ciência do que é, a sociologia nos dá a conclusão dos estudos em leis enunciadas no indicativo, bem ao contrário das leis morais, que são imperativas. Bastante relevante, pois, o estudo do Estado sob o ângulo da sociologia, ou do Estado como fato social que é;

6) Aspecto filosófico. A filosofia é a ciência dos supremos princípios de todos os seres, alcançados tão só com a luz da razão. O estudo filosófico do Estado é feito numa de suas partes, a moral ou ética, estudo dos atos humanos em relação ao dever ser. Já pela simples definição se observa a fundamental diferença entre o aspecto filosófico sob que se estuda o Estado daquele aspecto sociológico. Enquanto o primeiro nos dá a feição imutável do Estado, fora do tempo e do espaço, o Estado como deve ser, como há de ser, pelo aspecto sociológico se mostra o Estado como é ou como foi. Os princípios morais ou éticos são perenes, eternos, não obstante a ciência dos costumes, ou sociologia, mostrar-nos como são hoje, como foram ontem, os atos humanos. Tudo na sociologia é contingente, passageiro. Os atos são morais ou imorais, sob o critério perene, não obstante em tal ou qual época serem até muito bem recebidos e aplaudidos, até generalizados os atos imorais. Não evolui a moral. Os costumes é que mudam,como muda a língua, como muda a economia,como muda o direito positivo e as formas políticas. Por isso, no estudo do Estado, defrontar-nos-emos com estas duas situações: de um lado, aquilo que o Estado é; de outro o que ele há de ser, como como deve ser.

7) Aspecto político. A primeira impressão que se tem é que este é o único aspecto próprio do Estado, mas não é. A política é a arte e a ciência de governar o Estado, o qual, como vimos, se apresenta sob os demais outros importantes aspectos. Como ciência, a política investiga os princípios do bom governo; como arte - e antes de tudo é arte - busca os meios de atuação desses princípios. Podemos, agora, verificar como se entrosam os vários aspectos com que o Estado se nos apresenta.

Assim, partindo do que é (sociologia do Estado), a política investiga os meios para realizar o que deve ser (filosofia do Estado), servindo-se da experiência (história e etnologia do Estado) e dos dados fornecidos pela economia e finanças.

Examinado o Estado, portanto, sob os seus diversos aspectos, deparamo-nos com as diferentes concepções que dele formularam os grandes filósofos nas várias épocas. Tomamos contato, assim, com as inúmeros teorias, notáveis algumas, aberrantes outras. PLATÃO e ARISTÓTELES, na antigüidade; CÍCERO, em Roma; SANTO AGOSTINHO e SANTO TOMÁS DE AQUINO na Idade Média; dos grandes espíritos do Renascimento e séculos seguintes, tais como BODIN, HOBBES, GRÓCIO, SUAREZ; no século XVIII, ROUSSEAU, KANT, HEGEL; no século XIX, AUGUSTO COMTE, KARL MARX, etc.... No século XX vamos encontrar as teorias dos neo-idealistas, neopositivistas, neo-escolásticos, marxistas, neo-marxistas e, por fim, a doutrina social da Igreja contida, principalmente, nas encíclicas papais de PIO IX, LEÃO XIII, PIO XII, JOÃO XXIII, PAULO VI e, mais recentemente, JOÃO PAULO II. Por último vamos nos situar no que FRANCIS FUKUYAMA[1] chama de “o fim da história”, ou como ele propõe, enfrentar a pergunta, que já foi formulada pelos filósofos do passado: haverá uma direção na história da humanidade? E se a história é direcional, para onde se encaminha?

Assim, estaremos fazendo o estudo da História das Doutrinas do Estado, diferente, portanto, daquela a que já nos referimos, da História do Estado, Esta, a História do Estado, nada tem a ver com os pensadores e doutrinadores das várias épocas, mas, apenas, com a organização do Estado tal como existiu. Por exemplo, se quisermos conhecer os tipos de Estado nas várias épocas, tomemos como ponto de aferição o maior ou menor Poder que lhe foi atribuído e a posição dos cidadãos em face do Poder Público. Chegaremos à classificação histórica, já tornada clássica, de Estado patrimonial, Estado de polícia e Estado de direito, três tipos históricos de Estado.

No primeiro deles, o Estado é patrimônio do Príncipe: eis o tipo do Estado Medieval, ou Feudal. No Estado de polícia não é ele mais patrimônio do Príncipe, porém, ainda não são reconhecidos direitos públicos aos cidadãos. Finalmente, por Estado de direito entende-se aquele que se submete, como qualquer pessoa, às leis e à jurisdição.

Por tudo quanto dissemos, até aqui, podemos já afirmar que a TEORIA GERAL DO ESTADO não é ciência, como também que ela não é uma enciclopédia de ciências. Compreende, sim, estudos feitos em várias ciências e ainda uma parte empírica, ou produto da experiência. Sendo assim, não só abarca partes de outras ciências, mas, também, tem relações profundas com estas e ainda com outras ciências.

Com a Filosofia, ciência do geral, relaciona-se de perto através da filosofia do Estado, ou a ciência dos supremos princípios do Estado alcançados só com a luz da razão, ficando intimamente ligada à Filosofia do Direito. Sendo um fato social, está ela em relação com os demais fatos jurídicos, e, portanto, sociais, cujo estudo é feito pela Sociologia jurídica. Íntimas são as relações da História do Direito com a Teoria Geral do Estado.

No estudo das relações entre as várias ciências, entretanto, haveremos de sopesar bem as diferenças entre uma e outra. Sirva de exemplo a origem do Estado. Estudam-na a História, a Sociologia e a Filosofia.

Como a História se ocupa do particular, irá investigar em que época surgiu tal ou qual Estado, quais as circunstâncias que rodearam o seu nascimento, quais os vultos humanos que para ele contribuíram ou que dificultaram a gênese. Há que narrar, assim, os fatos que precederam, constituíram e se seguiram ao seu nascimento. Repita-se que à luz da História apenas poderemos saber como nasceu cada Estado, nada mais.

Pela Sociologia, ciência das massas de fenômenos, teremos a investigação da origem de vários Estados, empregando, seja na captação dos respectivos fatos, seja na sua análise, os processos e métodos que lhe são próprios para, assim, enunciar suas leis indicativas, que serão a conclusão dos seus estudos. Tais leis traduzirão o que de normal e constante encontrou o sociólogo no nascimento de inúmeros estados e, assim, poderá ele concluir qual a gênese do Estado, nesse grupo de estados.

Nem a História, nem a Sociologia formulam o conceito de Estado. Só pode fazê-lo a ciência jurídica. Uma vez definido o Estado pela ciência do direito, o historiador narra como surgiu este ou aquele Estado, nesta ou naquela época; o sociólogo poderá generalizar dentro ainda da limitação de sua ciência, qual a origem do Estado em determinado grupo.

O filósofo do Direito investiga a origem do Estado fora e acima de qualquer particularismo ou individuação, fora e acima do tempo e do espaço. Não investiga o filósofo a origem deste ou daquele Estado, mesmo considerando-os em massa, mesmo considerando-os globalmente. Investiga, apenas, qual a origem do Estado e o método para tanto é próprio seu, inteiramente diverso do empregado seja pelo historiador, seja pelo sociólogo. Como veremos mais adiante, a origem filosófica do Estado nos é dada pela observação da natureza de um só homem. Aí, na consideração do politikon zoon (animal social) é que o grande ARISTÓTELES encontrou a gênese do Estado.

Conseqüente, e fundamentalmente, há um outro aspecto com que se nos apresenta o Estado: é o jurídico. A organização do Estado, como de resto, de qualquer sociedade, é dada pelo Direito, é o resultado de um conjunto de normas jurídicas. Numa palavra, o Estado é instituição criada pela ordenação jurídica. É este, exatamente, o domínio do direito público, conforme já enunciado por ULPIANO: Hujus studii duae sunt positiones: publicum et privatum. Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat: privatum quod ad singulorum utilitatem. Direito Público é, assim, aquele que concerne à ordenação do Estado e às suas relações com as demais pessoas públicas e privadas e à atividade que o Estado há de desempenhar para atingir a própria finalidade. Daí porque, conforme os ensinamentos de VICTÓRIO EMANUEL ORLANDO, bem como de HANS KELSEN, só o Direito pode definir o Estado, pois só ele, mediante o método jurídico, pode chegar à generalização das suas notas características.

Não há, portanto, conceito histórico, sociológico filosófico ou político do Estado, mas somente o seu conceito jurídico. É ele, assim, um ser jurídico mas este ser, definido pelo direito, pode ser estudado também pela História, pela Sociologia, pela Filosofia, pela Política e pela Economia.

Que é, então, a TEORIA GERAL DO ESTADO?! A Teoria Geral do Estado, ou, como querem outros, a Doutrina do Estado visa o estudo dos vários aspectos do Estado. Não se cogita, como dissemos, da enciclopédia do Estado, mas de sua visão geral, quer filosófica, quer em face das ciências particulares. Poder-se-á mesmo definir a Teoria Geral do Estado como o conjunto dos vários aspectos do Estado, a fim de investigar a origem, a finalidade, os caracteres, a organização, as formas típicas e os meios de sua atuação. Teremos uma visão geral e até certo ponto unitário do Estado.

Por isso, o Prof. DALMO DALLARI, ao fixar a noção de Teoria Geral do Estado, afirmou que "ela é uma disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o aperfeiçoamento do Estado, concebendo-o, ao mesmo tempo, como um fato social e uma ordem, que procura atingir os seus fins com eficácia e justiça"[2]

O problema do nome. ATALIBA NOGUEIRA não aceitava a denominação de Teoria Geral do Estado, que é a oficial para a Cadeira própria nos cursos de Direito. Preferia a ela a denominação de Doutrina do Estado, expressão equivalente a Teoria do Estado. Para ele, toda teoria ou doutrina é geral por definição, não existindo teoria do particular. ADERSON DE MENEZES[3] justifica a adoção do nome oficial (Dec.Lei 2.639, de 27/9/1940) porque, como afirma, "pode haver e na verdade existe uma teoria do Estado sem a feição da generalidade e porque, como veremos oportunamente, o campo científico da Teoria Geral do Estado não se reduz à realidade estatal presente. Donde, evidentemente, o silêncio concordante do maior número a respeito dessa minúcia terminológica".

Por amor à simplificação e afastamento de discussões acadêmicas, permitimo-nos apenas sugerir o problema em questão e ficar à margem, observando à respeito o que determina a lei acima enumerada. Cumpre ainda ressaltar que, nos cursos jurídicos, a Cátedra ainda é conhecida por outros nomes que, mais ou menos, correspondem ao seu objeto: Política, denominação tradicional desde o célebre livro de ARISTÓTELES; Direito Político, nome usual e corrente na Espanha; Estatologia, criação de BIGNE DE VILLENEUVE.

Metodologia. Como observado, no estudo do Estado, nem tudo é científico, há muito de empírico. De outra parte, como afirmado anteriormente, não sendo a disciplina uma ciência, mas a congérie de várias ciências, o método de estudo há de variar de acordo com a ciência a que pertencer determinado estudo. No geral, emprega-se os dois métodos normais de investigação científica: a indução e a dedução.

No método indutivo, usa-se dos processos de observação, comparação, classificação e generalização da experiência, quando então é induzida a lei ou princípio. Neste método, parte-se do fato cotidiano, concreto, tangível; parte-se dos dados fornecidos pelos fenômenos e chega-se às leis. Importa salientar que, em se tratando de política, ciência do Estado, a única experimentação possível é fornecida pelo fato histórico. É criminoso fazer experiência com o povo, que não pode servir de cobaia ao político. É a história que nos dá experiência em política.

Já o método dedutivo se caracteriza pelo ponto de partida, que já não são mais os fatos, nem mesmo os princípios fornecidos pela indução. No método dedutivo partimos de verdades universais conhecidas e concluímos pela verdade de uma proposição. Esta é conseqüência necessária da outra, porém, est´outra há de ser axiomática, ou valorativa. Assim, do princípio universal bonum faciendum, malum vitandum (fazer o bem, evitar o mal), tiramos várias conseqüências mediante dedução, tal como "não matarás", etc....
[1] “O Fim da História e o Último Homem”, Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1992.
[2] ob.cit.,pg.2.
[3] "Teoria Geral do Estado", Ed. Forense, 1972, pg. 17.

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